As festas natalícias e a viragem do ano pedem, como já é tradição, circo nos nossos televisores. O Festival Internacional du Cirque, no Mónaco, é o espetáculo transmitido anualmente, que este ano completa o seu 44º aniversário. Por isso, é seguro dizer que os portugueses estão acostumados, desde as idades mais tenras, a que seja este o programa de eleição em tardes de família nesta quadra aconchegante.
As emissões desta forma de arte que engloba outras inúmeras maneiras de expressão, ainda para mais nesta data, permite refletir sobre o circo de um modo diferente. A Princesa Stéphanie do Mónaco, organizadora e dinamizadora do mais prestigiado festival de artes circenses, tem como sua preocupação primordial ver reconhecido e respeitado o Circo Tradicional.
Contudo, o circo tradicional, mais conhecido pelos animais, pela parelha de palhaços e o espetáculo apresentado debaixo da cúpula de uma tenda, está, dia após dia, a ser deixado para trás e a perder audiências e financiamentos para uma nova forma de fazer circo. Esta nova geração circense, concebida, principalmente, por grupos de pessoas que não nasceram no circo itinerante, tem vindo a ocupar um lugar bastante significativo no que diz respeito às artes e à cultura. Esta nova ramificação que é o circo contemporâneo, que é aprendido em escolas, distingue-se essencialmente pelo facto de não ser uma arte que é passada de pai para filho, como no circo tradicional.
Por isso, é cada vez mais compreensível a necessidade de distinção entre os termos tradicional e contemporâneo, dois estilos divergentes mas que em muito convergem, no universo das artes circenses. No entanto, o que não é tão plausível é o facto da Direção Geral das Artes, organismo do Ministério da Cultura “que tem por missão a coordenação e execução das políticas de apoio às artes em Portugal”, sustentar, especificamente, projetos de “Circo Contemporâneo e Artes de Rua”. A questão que se levanta é: porque não apoiar todos os estilos de circo?
Embora seja uma ponto pequeno num universo monstruoso, é de notar que a perda de força do circo tradicional não se resume apenas a não ser uma das categorias englobadas nos apoios financeiros do Estado para a Cultura. A entrada em vigor da lei que passa a proibir a utilização de animais selvagens em circo é fundamental e de aplicação primordial. Porém, a sensibilização para estas temáticas não só afetou a credibilidade da expectativa do público, mas também a ida das pessoas ao circo, na medida em que estes são da opinião que todos os circos tradicionais mantêm a herança dos animais. Assim sendo, mesmo que estes tenham deixado de os colocar em situação de apresentação, o espetador pondera a hipótese de não ir ao circo na possibilidade de encontrar animais nas atuações.
Não obstante, algo que merece atenção é, também, o leque de oferta reduzido de formação circense em Portugal. Como área performativa que é, o circo está presente em formato de curso profissional no Chapitô e no ACE Escola de Artes. Após completarem os estudos a nível secundário, os estudantes que quiserem permanecer a investir no futuro circense, podem enveredar por um curso profissionalizante em artes de circo, que é oferecido pelo INAC (Instituto Nacional das Artes do Circo) e pela Salto.
Todavia, nenhum destes cursos profissionalizantes é reconhecido como ensino superior. Embora o INAC considere que “preenche a lacuna existente nos estudos circenses contemporâneos em Portugal”, nenhuma das escolas de circo em Portugal oferece um grau académico superior. Isso leva a que os artistas quase sejam obrigados a sair do seu país e a prestar provas no estrangeiro até aos 23 anos de idade para prosseguirem o caminho académico, se assim o entenderem.
As adversidades no mundo onde se criam estes artistas apaixonados pelo palco e por estarem debaixo das luzes da cúpula da tenda, infelizmente, nem sempre são reconhecidas. No entanto, existem ocasiões onde é possível dar-se voz a esta forma de cultura, tal como disse Pedro Santos em entrevista ao ComUM: “o circo é bastante educativo, pode passar mensagens e pode ajudar culturalmente”. E, apesar de todos estes obstáculos, é bonito ver-se como o circo em Portugal continua a crescer. Um bom exemplo disso foi o apoio ganho pelo INAC no concurso da Direção Geral das Artes, no passado dia 27 de dezembro, inserido no Programa de Apoio a Projetos, Programação e Desenvolvimento de Públicos.
Concluindo, é imprescindível enfatizar, na questão do apoio que tem vindo a ter o Ministério da Cultura por parte desta forma de arte, sobretudo o que ainda há para melhorar. Apesar disso, algo que me entristece é a realidade que se vive nos dias de hoje, ao ver a segmentação e a distinção de duas áreas do circo. Ainda para mais numa quadra de tanta partilha onde as artes circenses são celebradas, considero que, tanto contemporâneos como tradicionais, todos os artistas de circo deviam ser tratados como tal, artistas de circo.