Uma mulher. Uma voz. I Never Loved a Man The Way I Love You foi lançado em 1967 pela rainha do Soul, Aretha Franklin. Para trás deixou um legado de pura arte musical, assim como uma voz que, até hoje, se mantém única e incomparável.
Quase que se entra em negação quando nos relembramos que Aretha Franklin partiu num passado muito recente. Aceitar uma realidade onde uma das vozes mais marcantes da história da música já não se encontra entre nós é duro.
Aretha Franklin carregava na sua voz muito mais do que a raridade do seu tom vocal. Nas suas músicas embalava o sonho da igualdade e com a pujança da sua voz empurrou os muros da injustiça que imperavam numa América racista e desigual.
I Never Loved A Man the Way I Love You é um projeto que expressa a beleza de um género musical numa época que, socialmente, não pode ser equiparável a essa mesma beleza. Neste álbum, as letras não explicitam a realidade americana dos anos 60. Muito pelo contrário, grande parte dos versos são de cariz amoroso e focam a sua atenção na relação com aquele que completa a intérprete. Contudo, é impossível dissociar este género musical à luta pelos direitos civis e pela igualdade da comunidade afro-americana.
A primeira faixa deste álbum não precisa de introdução. “Respect” é já um som conhecido de todos, mas muitos desconhecem a sua importância. Com uma letra original escrita por Otis Redding, a música acaba por sofrer alterações nos versos e um novo significado é criado por Aretha.
Um hino feminista nasce ao som da sua voz. “Respect” narra audaciosamente a história de uma mulher a exigir o respeito da sua segunda metade, numa época em que a mulher negra se afirma numa sociedade racista e sexista. Curiosamente, Aretha é acompanhada pelas vozes das irmãs, Erma Franklin e Carolyn Franklin, no coro. E para elevar esta música à perfeição surgem os sons do saxofone, do baixo, da bateria e do piano que juntamente em conjunto criam o fenómeno que Respect é ainda hoje. Como mulher que ergue o punho, é com enorme gratidão e orgulho que guardo esta obra de arte na minha playlist.
“Drown in My Own Tears” é a segunda faixa deste álbum. A letra desta música pode já ter sido reconhecida na voz do memorável Ray Charles, mas a Aretha Franklin não lhe escapou a oportunidade para fazer a sua versão. Numa letra melancólica que denuncia a ausência da pessoa cuja presença conseguiria impedir um mar de lágrimas, a poderosa voz de Aretha navega pelas notas graves do piano.
Arrisco dizer que “I Never Loved a Man (The Way I Love You)” é das músicas mais emblemáticas do Soul. A terceira faixa deste projeto assegurou a Aretha Franklin a sua posição na indústria da música nos anos 60. Uma letra sobre uma mulher que não se consegue desprender de um amor incondicional sem correspondência. A indiferença de alguém que não se entrega mutuamente ao amor da artista leva-a ao desespero e à incompreensão. E assim, por entre a voz de Aretha e numa simplicidade instrumental de um órgão de Blues, nasceu um dos maiores cânones da música Soul americana. E se as minhas palavras não forem suficientemente convincentes, “I Never Loved a Man (The Way I Love You)” permaneceu no topo da tabela de R&B durante sete semanas consecutivas.
“Soul Serenade”, apesar da tradução literal do título, não é uma simples serenata de Soul. É, sem sombra de dúvida a expressão de um género musical na sua mais perfeita interpretação. Aretha não poupa nos arrepios que a sua voz insiste em proporcionar. Um suave piano é rapidamente interrompido pelo clássico som do saxofone e pela leve batida da bateria, numa letra sobre a solidão e desejos.
Os segundos iniciais de “Don’t Let Me Lose This Dream” relembram o som de Bossa Nova. A quinta faixa de I Never Loved A Man the Way I Love You já enriquece só pelo instrumental mas também se esmera numa letra que procura o elo de ligação entre duas pessoas por meio do sonho.
“Baby, Baby, Baby” e “Dr. Feelgood (Love Is a Serious Business)” são duas faixas em que, mais uma vez, a questão amorosa ocupa uma posição central. Ambas as músicas são introduzidas pelas leves notas de um piano que rapidamente se fundem com o típico órgão de Blues e mais tarde contam com o contributo do instrumental do sopro para completar a ideia de um álbum estritamente direcionado à pureza da emoção do amor acompanhado das suas maravilhas e atribulações.
“Good Times” é mais um dos grandes hits de Aretha Franklin. Tal como a letra indica, “Everybody get in the groove and let the good times roll” é um convite para viver os bons momentos ao som de uma Aretha capaz de agregar todos num espaço e conviver. Nem mesmo o tempo (ou a falta dele) é motivo suficientemente plausível para não aproveitar a energia de uma boa música. A felicidade e o otimismo transbordam numa letra originalmente escrita pelo icónico Sam Cooke e o instrumental, composto por piano e baixo, ajudam à festa.
“Do Right Woman, Do Right Man” é das faixas onde a voz de Aretha claramente se sobressai. Esta nona faixa tem das letras mais belas e elaboradas de todo o álbum. Ao som do piano e do órgão magnificamente tocados, Aretha tenta explicar ao seu parceiro que uma mulher não é somente o acessório da vida do mesmo. “She’s flesh and blood just like her man” é o verso que melhor resume o conteúdo desta música, mergulhada num Soul que só Mrs. Franklin nos consegue dar.
A curta duração de “Save Me” não a impede de proporcionar um momento bem Groovy. O que perde em duração ganha na qualidade. Com a entrada de uma guitarra que nos remete para uma ideia sulista da América, a força da voz conquista-nos enquanto entrega uma interpretação sem falhas.
A última e mais longa música surge intitulada como “A Change Is Gonna Come”. Mais uma vez, Aretha recorre à sua própria versão de uma música já interpretada por Sam Cooke. Na versão da Rainha do Soul, a música inicia com um piano que é a deixa para que Aretha, em sintonia, a ele se junte. A voz rapidamente se despe de possíveis padrões e flui no piano e no órgão que a acompanham. Ao som de uma voz nua e crua surge uma letra sobre os medos e incertezas que são toda a nossa existência, num mundo que tão pouco tem uma lógica explicação. Falando com um antigo amigo, “He said it’s been too hard livin’/But I’m afraid to die/I might not be if I knew what was up there/ Beyond the sky”.
E é este I Never Loved A Man The Way I Love You. Sem dúvida dos meus álbuns favoritos e acredito que possa ser considerado dos melhores álbuns que a música testemunhou nascer. Aretha Franklin e a sua voz não podem sem encaradas como meros acasos na música.
A artista fez parte de uma geração de sonhadores e lutadores pelos direitos humanos. Olhar com desdém para o seu trabalho seria ignorar uma parte da história. Infelizmente, Aretha Franklin partiu demasiado cedo mas o que fica e o que para sempre ficará gravado nas nossas memórias é a obra de arte que foi toda a sua existência. A Aretha Louis Franklin somente tenho a dizer: R-E-S-P-E-C-T!
Artista: Aretha Franklin
Álbum: I Never Loved A Man The Way I Love You
Editora: Atlantic Records
Data de Lançamento: 10 de março de 1967