Todos os dias são dias são diferentes, e dia 22 de novembro ficou marcado pelo lançamento do oitavo álbum dos Coldplay. Everyday Life mostra de uma forma muito poética e alternativa as dificuldades que as minorias raciais passam, principalmente nos Estados Unidos.
É um projeto que conta muitas histórias que fazem parte do quotidiano destas pessoas, revelando assim um lado diferente da banda. O álbum está dividido em duas partes: Sunset e Sunrise. Foi feita esta divisão a pensar no decorrer do dia. Como seria de esperar, a faixa inicial do projeto chama-se “Sunrise”. É um simples instrumental de uma orquestra, mas que podemos interpretar de várias formas. O facto de não haver vozes pode simbolizar o amanhecer e o despertar, alturas do dia normalmente calmas e silenciosas.
Logo a seguir é-nos introduzido um tema bastante presente neste conjunto. Tal como o nome indica, “Church” remete para a religiosidade. Fala sobre “ir na onda” e encarar o quotidiano com descontração. Como a letra não tem grande diversidade a música em si destaca-se, criando até o ambiente de local de ritual/orações.
Uma das grandes preocupações para os Coldplay, que se tornou tema principal deste álbum é a discriminação e a brutalidade contra pessoas de raça negra e muçulmanos, principalmente nos EUA. Observamos isto em “Trouble In Town” e também em “Arabesque”.
Na primeira, Chris Martin conta que quando estas pessoas vêm de países em guerra, sofrem dos dois lados. Assim como viver no seu país de origem é perigoso, quando procuram abrigo noutros países, também não são aceites e vivem constantemente como se estivessem presos. A música contém ainda uma faixa áudio de um polícia que mandou parar um homem negro por aparentemente ter dito olá a um traficante de droga. O polícia continuou a acusá-lo de forma agressiva, mesmo sem provas.
Contudo, em “Arabesque” vemos não só a discriminação como um certo elogio a toda a cultura árabe. É, acima de tudo, uma forma boa de trazer a cultura árabe para o ocidente, de forma a diminuir o estigma que se forma acerca dos muçulmanos. Conta com a participação do artista francês Stromae, e a sua composição musical tem instrumentos variados, como o piano, a bateria, o saxofone, e até mesmo a guitarra elétrica. Concede-lhe um ritmo irreverente.
Apesar de estas situações acontecerem mesmo no nosso dia-a-dia, os Coldplay mostram-nos que há esperança com as faixas “WOTW/POTP” e “When I Need A Friend”. As siglas significam “Wonder of the World / Power of the People”, respetivamente. Traz uma certa leveza ao álbum, não só pela sua curta duração, mas também pelo conteúdo lírico reduzido acompanhado pela guitarra acústica.
Por sua vez, “When I Need A Friend” é uma música que emociona e faz pensar em vários momentos das nossas vidas A faixa conta com um áudio final extraído de um documentário que acompanhou um espanhol no sonho de construir um helicóptero sozinho. Era gozado pelas suas ambições: ninguém acreditava que era possível, no entanto persistiu e respondia com “tudo é incrível”. De certa forma a faixa acaba por nos fazer pensar nos momentos de tristeza e nos de felicidade e faz com que encaremos o futuro com esperança.
Na primeira parte ouvimos ainda “Daddy”, uma balada guiada por um piano deslumbrante fala sobre uma relação problemática que existe entre um pai e filho. O filho tem contudo um forte desejo de rever o pai e de passar tempo com ele. Com esta música sentimos o desespero e angústia de uma criança que tem saudades do seu pai.
A partir daqui começa a segunda parte do projeto: Sunset. Nesta parte vemos um pouco mais das emoções pessoais de Chris Martin.
A primeira música é “Guns” e retrata a violência que assola certas partes dos EUA. Remete para os tiroteios constantes na América do Norte e para a facilidade com que crianças e adolescentes têm acesso a armas. Martin acredita mesmo que o mundo está a enlouquecer e que nos esquecemos de amar o próximo: só queremos saber daqueles que nos importam e não pensamos naqueles que estão a sofrer e precisam da nossa ajuda.
Através de “Old Friends” conhecemos um pouco da história de Martin. Apresenta-nos um dos seus amigos de infância, Tony, que lhe salvou a vida ao evitar que fosse atropelado. É uma música muito nostálgica e emocionante, no sentido em que nos faz lembrar da nossa infância de uma forma um pouco desgostosa. Afirma no final da faixa que não há fim para a amizade entre velhos amigos. Por isso, se têm amigos de infância, tal como eu, lembrem-se que eles são fantásticos e que a vossa amizade vai permanecer.
Também em “Champion of The World” sentimos que estamos nos pés de uma criança que sofre bullying na escola. Apesar de tudo, assistimos à sua libertação e ao ganho de confiança para enfrentar o mundo, autointitulando-se “the champion of the world”.
Nesta segunda parte assistimos ainda a uma das faixas mais conhecidas, “Orphans”. Conta a história de Rosaleem, uma rapariga de Damasco, que teve de se mudar para um campo de refugiados com o seu pai, devido a um bombardeamento. O ritmo da música dá esperança a pessoas como a pequena Rosaleem e o seu pai, no entanto, enquanto se encontram refugiados, as pessoas tendem a marcá-los como tal. Chris Martin demonstra a sua discordância ao afirmar que quem vive em campos de refugiados, ou em abrigos improvisados, deve receber o mesmo amor e cuidado como todos os outros: são humanos como nós.
Na mesma linha de pensamento surge “بنی آدم (Children of Adam)”, uma música poderosa que apela à união de todas as religiões e etnias. Contém excertos de poemas iranianos, nigerianos e de uma música americana. O que todos têm em comum é a fé em Deus, sendo isto o que os faz querer ser melhores. Apela à empatia, a capacidade de nos colocarmos no lugar de outra pessoa, de modo a percebermos a sua dor. Apela à reflexão para perceber que o mais importante é amarmos o próximo, sem julgar.
Para acabar em chave d’ouro, Coldplay trazem-nos “Everyday Life”. Resume a ideia geral do álbum e a mensagem que quer passar: amor, igualdade, compaixão, empatia… É uma música muito “coldplay”, com um sentimento de clássico, mesmo sendo uma música recente. Representa de forma excelente o álbum e é das melhores do conjunto.
Como em quase todos os álbuns, existem músicas que não se destacam. Em Everyday Life é o caso de “BrokEn”, “Cry Cry Cry” e “Èkó”. São faixas que abordam temas como o amor e o apoio mútuo mas que se repetem. Não são, portanto, músicas que mostram o melhor dos Coldplay.
No fundo, Everyday Life é constituído por muitas músicas, algumas delas curtas, que transmitem mensagens sobre o mundo. É também claro que o foco principal é a amizade, a guerra e a religião. Como sempre, os Coldpay conseguiram pegar em assuntos sensíveis e criar obras sublimes, conseguindo uma vez mais um álbum com uma qualidade excecional.
Álbum: Everyday Life
Artista: Coldplay
Editora: Parlophone
Data de lançamento: 22 de novembro de 2019