Os dois atletas conciliam a alta competição com o Ensino Superior
Nasceu em Leiria, os estudos trouxeram-no a Braga e o selim leva-o até Oliveira de Azeméis. Apesar dos curtos 19 anos, Guilherme Mota nunca chega a desfazer as malas, uma vida bem diferente da de Telma Pereira, da mesma idade. A fafense dribla as longas distâncias ao estudar em Guimarães e joga futsal ao virar da esquina da sua terra natal. Ambos marcam encontros com as engenharias durante a semana, e na visão da atleta, “vai chegar a uma altura em que uma pessoa tem de parar e começar a trabalhar e para isso é que uma pessoa também estuda”. O jovem considera que o curso se pode “fazer mais devagar ou voltar no final do ciclismo”.
O avião ainda agora descolou, mas a turbulência já se faz sentir. Ambos gerem um horário apertado, mas com prioridades vincadas. Ele não tem problemas em colocar os livros no porão se tiver de o fazer, enquanto ela os leva em primeira classe, na incerteza de que a viagem do futsal chegue a bom porto.
O aspirante a biomédico concilia por agora as duas vidas, mas sabe que decisão tomar se a vida o levar a fazer uma escolha. “Escolhia o ciclismo, porque engenharia biomédica posso fazer mais devagar ou voltar no final. No ciclismo chega-se, por exemplo, aos 35-40 anos e já não se pode ser mais”. Mas, enquanto isso não acontecer, é preciso dar o máximo nas duas vertentes. “Considero-me um aluno e um ciclista profissional. Não há cá ser meio aluno ou um quarto de aluno. E, se queremos ser as duas coisas ao mesmo tempo, é difícil sê-lo bem.”
Ao sair de mais uma aula do Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão Industrial, Telma reconhece que algum dia terá que chutar a bola para canto, e por isso precisa de ter o futuro assegurado, pelo que os estudos são prioritários. “Nós sabemos todos que isto [o futsal] não é o futuro de ninguém. Vai chegar a uma altura em que se tem de parar e começar a trabalhar, e para isso é que uma pessoa também estuda, senão isto era tudo uma brincadeira.”
Se os planos a longo prazo são incertos, o dia a dia traz uma certeza: o planeamento tem que ser feito a régua e esquadro. O leiriense, mais reservado, tem como palavra de ordem a consistência e o objetivo de dar o máximo, não só nos treinos bidiários, mas também nos estudos. “Escolhi Braga por ser uma cidade onde conheço bastante gente e há bastantes profissionais com quem posso treinar. O ciclismo e o estudo exigem bastante trabalho e temos que aproveitar o máximo de tempo possível, mas o descanso também é importante”, revela o 16.º classificado do Mundial de estrada no escalão de juniores em 2018.
Complicado é a palavra que Telma também usa para explicar como é gerir duas carreiras. O quotidiano da futsalista parece simples quando conta que se resume a “universidade, ir para casa estudar e ir depois treinar”. Quando se olha ao pormenor para os horários é que se começam a entender as dificuldades.
“Os meus treinos neste momento acabam às 23h30. Tomar banho, comer e não comer, ir para casa… só me deito por volta da uma da manhã. Tenho sorte que não tenho aulas de manhã nos dias a seguir aos treinos, mas não consigo aproveitar esse tempo para estudar porque não te consegues levantar cedo depois de saíres exausta de um treino e te deitares àquela hora”, conta a jovem.
Fugir à rotina: quando e como
“Sobra sempre tempo livre, mas às vezes temos que fazer escolhas. Tem que se saber o que é mais importante”. E se Telma Pereira não se assume como uma pessoa que goste de sair à noite, é na alimentação que foge à rotina. “Não tenho muita [vida noturna]. Claro que já tive as minhas noites, mas não tantas. Ir sair às quartas, ter aulas e treino às quintas… não dá.”
“Não ligo muito [à alimentação]. Acho que uma pessoa tem que ter os prazeres da vida e se não estiver bem também não rende. Como um pouco de tudo, não sou daquelas pessoas de fazer dietas. Também gosto de comer doces, mas claro que tenho cuidado quando vejo que estou a abusar.”
Guilherme Mota faz o contrário. Os hábitos alimentares são extremamente cuidados, mas a vida noturna e os convívios existem sempre que a profissão assim o permite. “Todas as minhas refeições são feitas por mim. Na pré-época é normal abusarmos um bocado, mas assim que chega o mês de janeiro, começa o rigor.”
“Quando posso, desfruto e tento estar com os meus amigos ao máximo. Mas quando há uma corrida próxima, aí sim, não há noitadas, não há saídas, não há erros”, afirma.
O papel da universidade
Os dois atletas estão abrangidos pelo estatuto de desportistas de alta competição. Enquanto Telma admite ainda não ter necessitado de o usar, face ao apoio dado pelos professores, Guilherme reconhece a almofada da universidade em relação às faltas, mas não sente que o estatuto possa ser explorado ao máximo.
“Usufruo a nível de faltas. No entanto, sinto que o próprio Governo, em conjunto com as universidades não o colocam na totalidade em ação, o que faz com que não possamos usá-lo da forma que poderíamos” explica o ciclista, que no próximo ano celebra o 20.º aniversário.
O ingresso de Telma na faculdade coincidiu com os Jogos Olímpicos da Juventude, há cerca de um ano, nos quais venceu a medalha de ouro com a seleção portuguesa. E desde o dia em que chegou ao Campus de Azurém que sentiu o carinho dos colegas e professores. “O ano passado foi o meu primeiro na universidade e o primeiro mês eu passei-o fora, nos Jogos Olímpicos. Cheguei aqui com tudo e mais alguma coisa para estudar, tinha logo testes e eles [colegas] ajudaram imenso.”
O estatuto de alta competição existe para ser usado, mas no caso da fafense tal ainda não foi preciso. “Sinceramente ainda não usei muito o estatuto de alta competição. Os professores entendem quando eu tenho que ir às seleções. Falo com eles e digo-lhes que nessa semana não vou poder estar cá”, diz, recordando ainda alturas em que os docentes chegaram mesmo a alterar datas de provas.
“Já me aconteceu isso em épocas de testes e os professores mudaram [a data]. Não foi preciso o estatuto porque eles entendem mesmo e para eles também é um orgulho. E se não entenderem, uma pessoa lá usa o estatuto. Mas acho que nunca foi necessário”, conclui.
Reportagem: Daniel Sousa e João Pedro Gonçalves
Edição de Imagem: Ana Rita Peixoto