Pénalti para o FC Barcelona. 90 minutos de jogo. O árbitro apita. Remate. Golo de Alexia Putellas. Que foi? Esperavam que dissesse Messi? Nem pensar.

“É futebol profissional, e futebol profissional é para os homens e para as mulheres.” A frase é de Miguel Santos, treinador da equipa principal feminina do SC Braga. Uma frase que tive o prazer de ouvir sair da boca do técnico durante uma entrevista que conduzi pelo ComUM. Uma frase que ficou retida na minha memória desde esse momento.

Na sociedade em que vivemos, o futebol feminino ainda não é visto com os mesmos olhos do futebol masculino, nem sequer de perto. E, em parte, não o deve ser. Há diferenças, todos sabemos disso. As jogadoras sabem-no e os treinadores também. Mas a sociedade portuguesa ainda não está pronta para se adaptar e sente-se no direito de exigir o mesmo de uma mulher que exige de um homem. E esse é um grande passo em falso porque há espaço para os dois. Porque futebol é um jogo de ideias, de tática, e isso não tem géneros.

Para muita gente, parece que é uma “guerra” por um lugar único. Há qualidade no futebol feminino, mais do que a maior parte da população pensa. O que as pessoas parecem ter dificuldade em encaixar na cabeça é que o jogo feminino é diferente do masculino. Os corpos são diferentes e não podemos estar à espera de ver o mesmo dos dois lados.

Temos que saber adaptar-nos e não entrar em comparações idiotas entre a vertente feminina e a vertente masculina. Mas, na sociedade em que vivemos, parece que paira a ideia de que, para provarem a sua qualidade, as mulheres têm que ser capazes de vencer os homens. Não têm. Já mostraram que são capazes de jogar futebol, que têm qualidade e ainda potencial para evoluir mais.

Em Portugal ainda não estamos prontos. Enquanto que, um pouco por toda a Europa, o futebol feminino vai ganhando espaço, por cá ainda se estão a dar os primeiros passos. Num desporto dominado por homens, ainda é difícil para o público entender que as mulheres também são capazes. Não devia ser assim. Infelizmente, ainda existe o preconceito, a ideia machista de que no futebol não há espaço para elas. Aí é que se enganam. Há espaço e as mulheres fizeram por o merecer, e vieram não só para ficar, mas para crescer cada vez mais.

Existe ainda o argumento de que as mulheres não podem exigir, por exemplo, igualdade nos salários – um assunto onde figuras como Megan Rapinoe e Alex Morgan são vozes ativas – enquanto não apresentarem receitas idênticas às dos homens. O último Campeonato do Mundo, em França, destrói por completo esse argumento. As audiências atingiram valores recorde, os estádios estiveram cheios, os jogos tiveram qualidade e foi um mês de autêntica festa por terras gaulesas.

Atenção, ninguém pede que todas as jogadoras ganhem tanto como o Cristiano Ronaldo. Apenas se pedem melhores condições para potenciar o talento delas, para que não tenham que passar por um dia exaustivo de trabalho e ainda terem que ir treinar às 22 horas em campos com condições precárias.

O argumento de que não pode haver igualdade salarial volta a ser refutado se falarmos de outras medidas já adotadas noutros países da Europa. A equipa holandesa do Ajax, por exemplo, inovou e tornou-se na primeira equipa do mundo a igualar as equipas masculina e feminina em salário mínimo, dias de férias, seguro de saúde e na manutenção do pagamento do salário em caso de lesão grave que afaste o/a atleta por um largo período de tempo dos relvados.

As medidas também chegam às seleções. A Federação Finlandesa de Futebol anunciou, no passado mês de setembro, que vai igualar os pagamentos das seleções masculina e feminina, seguindo os exemplos da Noruega – pioneira em outubro de 2017 – e da Holanda – definiu 2023 como o ano em que homens e mulheres recebem os mesmos prémios.

E agora, ainda acham que não se pode exigir igualdade? Serão os holandeses, os norte-americanos, os ingleses, os franceses ou os espanhóis, onde o futebol feminino tem um espaço conquistado, que estão doidos? Lá fora já todos perceberam que o futebol feminino não é pobre, bem pelo contrário. Nós ainda não o entendemos totalmente porque a nossa mentalidade, essa sim, é pobre.

Uma vez mais, como já aconteceu em tantos outros aspetos, estamos anos atrasados em relação ao resto da Europa. Se já tivéssemos aberto os olhos mais cedo, bem mais cedo, e dado o potencial que temos no nosso país, quem sabe se não seríamos por esta altura uma potência europeia. No entanto, somos apenas um país que começou agora a despertar e que tem ainda um longo caminho a percorrer até se poder bater com os grandes.

O pé esquerdo do Messi também é o pé esquerdo da Jenni Hermoso. O pé direito do Ronaldo também é o pé direito da Alex Morgan. Os cabeceamentos do Falcão também são os cabeceamentos da Vivianne Miedema. Os voos do Ter Stegen também são os voos da Christiane Endler. Nesta festa que é o mundo do futebol, há espaço para todo o tipo de animadores. É bom que aprendamos a conviver com isso.