História de um Casamento estreou na Netflix a 6 de dezembro. Com argumento de Noah Baumbach, Scarlett Johansson e Adam Driver trazem aos ecrãs uma história de amor contada pela lente do divórcio. O trabalho é tão simples quanto o seu título: não há gestos românticos grandiosos típicos de Hollywood, não há amor perdido e reencontrado durante longas cenas melodramáticas. É apenas a história de uma relação. E é por isso mesmo que é especial.

O filme começa com Charlie (Driver) a descrever o que mais gosta em Nicole (Johansson). A voz do protagonista serve de fundo a um conjunto de cenas que, subtilmente, nos dão uma visão do caráter da mulher. O que inicialmente parecia uma introdução à história do casal, acaba por ser já o fim, uma última tentativa de manter vivo o elo entre o casal. O enredo segue este formato, focado no presente, mas intercalado com memórias das duas personagens principais. Esta estrutura, juntamente com a execução exímia dos atores, culmina numa narrativa que se desenvolve fluidamente.

Como amiúde acontece em divórcios, são formados dois lados antagónicos: quem sofre e quem faz sofrer. No entanto, História de um Casamento não nos deixa tomar um lado por muito tempo. Sentimos compaixão pela história de Nicole e compreendemos a perspetiva de Charlie. Nenhuma parte tem a razão, nenhuma parte é completamente inocente.

Scarlett Johansson apresenta-nos uma mulher pronta a romper com a sua vida atual. Sente necessidade de se libertar da sombra a que é relegada pelo companheiro. Numa das cenas iniciais, este insiste em criticar a sua performance na peça que dirigiu, ainda que sem necessidade, visto que era a última vez que Nicole representaria para aquela companhia de teatro, antes de ir filmar uma série em Los Angeles. Percebemos assim a frustração da protagonista e a vontade de seguir o seu próprio caminho. Charlie é a âncora que a prende. Mesmo fora das peças de teatro, as suas escolhas continuam a dirigi-la (ainda que ele não tenha consciência disso).

Johansson, conhecida por interpretar a emblemática Viúva Negra, apresenta agora uma das suas performances mais maduras. Num longo monólogo onde explica a sua perspetiva em relação ao casamento, transparece uma série de nuances que tornam a sua interpretação natural, ao retratar momentos de nostalgia e de melancolia, a tristeza por um passado doce que se tornou num presente amargo. Tudo isto numa cena, sem cortes ou interrupções, toda a verdade da personagem é exposta de uma vez só, é não poderia ter sido feita de forma melhor.

No entanto, a revelação do filme foi, sem dúvida, Adam Driver. À medida que Nicole se torna cada vez mais desenvolta e independente, Charlie retrai-se sobre si mesmo. Após os discursos da mulher, o protagonista torna-se momentaneamente o vilão da história, o lado que é vítima das críticas, a quem é aplicada a culpa. Mas, de cada vez que ele entra em cena, essa sensação dissipa-se. Não por ser um homem perfeito e digno, mas porque é honesto. O que diz é real, cru. Na cena mais marcante da longa-metragem, quando há a maior discussão entre o casal, Driver leva ao limite a personagem. A voz falha-lhe, vêem-se-lhe as  veias sobressaídas na face e lágrimas nos olhos.

Toda a cena transmite ainda uma sensação extremamente intimista, como se fôssemos crianças a espreitar pela frincha da porta do quarto onde os pais discutem, algo que não devíamos ver nem ouvir (sensação que perdura durante todo o filme). O cenário simples – paredes despidas, sofás e armários de um castanho austero – e a inexistência de música faz com que a atenção recaia por completo sobre os atores. Toda a cor, o cenário e a energia emana deles e não daquilo que os rodeia, os nossos olhos não têm a oportunidade de se desviar para outro lado. Os protagonistas movimentam-se de um lado para outro, gritam, choram. A sua frustração reflete-se fisicamente, de tal forma que chega a ser ridículo, e é por isso mesmo que é a melhor cena do trabalho. Não fica nada para trás, nada por dizer. É o ponto de viragem que altera completamente o rumo das personagens daí por diante.

A música, ainda que descrevendo o fim da relação, mantém o tom terno e cheio de compaixão durante as duas horas. As melodias raramente são alteradas, com apenas algumas mudanças de acordo com o ambiente da cena. Deste modo, é realçada a ideia de que, ainda que Charlie e Nicole sigam caminhos distintos, o amor que nutrem um pelo outro prevalece, apenas de forma diferente.

2019 tem-se revelado extraordinário para o cinema e História de um Casamento junta-se à lista dos melhores filmes do ano. Com um conceito simples, foi capaz de criar personagens complexas, tridimensionais e de nos deixar com lágrimas nos olhos. Fundamentalmente, prova-nos como o fim de um casamento não implica o fim do amor, apenas muda a forma como ele é expressado.