Embrulhado por uma vivacidade musical que não se deixa passar despercebida, o novo álbum da banda portuguesa LaGardère arrasta consigo um bilhete de entrada para a festa que os ouvintes não vão querer deixar passar. Carisma e energia são dois aspetos que salientam a produção de Uma Vida Anunciada.

Acostumados a fazer das músicas brincadeiras de sons e linhas sonoras poéticas, os LaGardère não fizeram deste disco uma exceção à sua arte. Uma Vida Anunciada não se caracteriza por ser apenas uma compilação de músicas que se seguem umas após às outras.

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Esta qualidade é ultrapassada pelo facto de existir um alinhamento pensado que suga o ouvinte para dentro de uma história narrada, com princípio, meio e fim. Marcadas por sinfonias sedutoras e viciantes, acompanhadas de guitarradas floreadas e linhas de baixo bem tonadas, cada música assume-se como um episódio na vida que alguém. Um alguém que a experiencia e depois a narra, cantando com sentimento, ironia e, no princípio do fim, com moral. É importante referir que o segmento ritmado que o álbum arrasta consigo é contagiante, o que impede aqueles que o ouvem de permanecerem estáticos.

Composto por oito faixas recheadas de musicalidades, o projeto dá-se a conhecer com “Se o Caso é Sério”. Caracterizada por um registo pacífico, “Se o Caso é Sério” revela até que ponto o trio português consegue tirar o máximo proveito do uso dinâmico que dão aos vários instrumentos musicais.

Dentro de um universo badalado por batidas suaves e teclados sinfónicos, a música foca-se em expor o lado apaixonado de LaGardère (“Tens o ouro e a prata/E manias de pirata/Tens-me a mim, levas-me na mão”). O facto de haver back vocals no decorrer da música, tal como o uso de notas em meios-tons e versos prolongados pela voz, faz com que haja um cantar de sussurro. São características como estas que conferem à música uma certa intimidade e um ambiente sonoro calmo.

As faixas que dão mais cor ao disco são “Essa Moda” e “Tiro no Escuro”. No que toca à primeira, esta pode ser considerada a melhor música, quer pela composição sonora, quer pela letra com que se faz acompanhar. Puxando para a sua essência ares do Jazz, “Essa Moda” arrasta consigo uma bela oportunidade para se pôr os pés no chão e dançar. Para além disso, as melodias revelam um arranjo rítmico invulgar, que conjuga perfeitamente com a lírica.

Contando uma história abastada de dicas sublimes a várias circunstâncias sociais do dia a dia, LaGardère não se contem em referir que “Há quem escolha no catálogo o alter-ego/Para fingir ser quem não é”, tal como “Quando as coisas dão para o torto/Não te faças mais de morto, meu irmão”. As rimas, que são usadas sistematicamente, contribuem para que o flow da música seja maior e se intensifique. Talvez seja por isto que esta dificilmente nos sai dos ouvidos.

Tiro no Escuro” também segue esta lógica musical, se bem que difere em alguns aspetos. Ao contrário de “Essa Moda”, esta faixa encontra a sua beleza nas batidas certeiras e no teclado insano. Como se fosse uma jam session, a coordenação dos instrumentos vai se encontrando à medida que a música avança. Quanto à letra em si, aborda a importância de arriscar, não só dar um “tiro no escudo”, dado que “O passado foi duro/E aqui não há o que eu procuro”. A acompanhar esta linha temporal encontram-se compassos ritmados, que conseguem fazer da música um tipo de lembrete sonoro para aqueles que a escutam.

Em contrapartida, “Marinela” ocupa o lugar da faixa que descai para o lado mais enfadonho do álbum. Apesar de se apresentar no género de balada, não atinge a dinâmica necessária para ser alguma coisa boa de se ouvir. Os primeiros segundos são agradáveis, mas a rapidez com que essa agradabilidade se transforma em aborrecido vence. Estabelecendo aqui uma comparação, é como se não levantasse nenhuma onde suficientemente grande para se apanhar.

Face a isto, só resta dizer que este é um projeto musical muito bem conseguido, tendo como principal vinco a originalidade nas composições sonoras e na variedade de instrumentos que pode encontrar. Um outro aspeto a referir é que quem ouve LaGardère não pode ficar indiferente à dimensão sonora para que a banda cria em seu redor.

Juntamente a isto também não se pode negar todo o trabalho criativo e bem pensado que se encontra por detrás de um álbum deste calibre. Em considerações finais, Uma Vida Anunciada, para além de um belo disco escrito em bom português, constrói uma ponte, em direção ao caminho do sucesso, para o trio nacional.