Forrest Gump estreou a 28 de outubro de 1994. Após 26 anos, a história do homem cujo nome dá o título ao filme preserva a genialidade que lhe valeu 13 nomeações aos Óscares, entre as quais seis vitórias. Seguindo uma das emblemáticas frases do filme, “a vida é como uma caixa de chocolates. Nunca sabes o que vais encontrar”, a produção de Robert Zemeckis foi uma agradável surpresa.

Através do fio condutor da narração do protagonista, sentado numa paragem de autocarro a contar a sua história a estranhos que vão aparecendo, as cerca de duas horas passam quase com a rapidez das corridas desta personagem. Ao reviver o seu passado, e tendo em conta a análise de alguns, Forrest acaba por delinear a história norte-americana segundo metáforas e paralelismos argutos.

Forrest Gump

A história de vida do personagem surge através das primeiras memórias mais vívidas – a infância. Abandonados pelo pai, o jovem rapaz e a mãe formam a sua pequena família. A mãe (Sally Field) encara o dever de proporcionar ao filho a melhor vida possível, apesar das dificuldades psíquicas do menino. Com um QI abaixo do aceitável é, inicialmente, rejeitado pela escola e condenado à exclusão por parte de outras crianças, que gozam com os aparelhos de correção colocados nas suas pernas.

No entanto, é graças a todos os tormentos e chacotas que o herói ultrapassa a primeira barreira e descobre o seu verdadeiro talento – a corrida. Numa cena acelerante, Forrest foge dos bullies de forma desajeitada, condicionado pelo metal que lhe constringe o movimento das pernas. Mas, à medida que ganha confiança e ritmo, o metal desprende-se e cai no chão. Com ele, caem também todas as barreiras que até aí o impediam de ter uma vida normal.

A vida do rapaz e da sua mãe é repleta de regozijo e energia, pautada pela boa disposição de turistas e outros visitantes (incluindo Elvis Presley) que permanecem na estadia da casa durante o tempo necessário. Deste modo, estabelece-se um paralelismo entre esta vivacidade e os Estados Unidos dos anos 50, marcados pela expansão económica e militar após a Segunda Guerra Mundial, ainda que atormentados pela sombra da Guerra Fria.

Forrest Gump

O protagonista continua, durante toda a longa-metragem, a estabelecer conexões com o estado do país. Os seus anos de adolescência “muito confusos” ligam-se com os tempos conturbados da luta pelos direitos civis, em que as regras eram constantemente questionadas e dissecadas pelo cidadão comum cansado, que ansiava pela mudança. Para além disto, Gump marca ainda presença noutros momentos muito importantes da história, como os assassinatos de Kennedy, o seu irmão, Martin Luther King, entre outros, que afirma, sem qualquer malícia ou sátira, terem acontecido “sem uma razão em particular”.

Este tipo de visão do filme, como um paralelismo entre os Estados Unidos e as personagens de Forrest Gump, prova o brilhantismo do enredo. À medida que são introduzidos novos elementos, cada um com a sua história, a narrativa não se perde num emaranhado de vidas por desenvolver. Cada personagem tem a sua finalidade bem delineada, desde a primeira senhora que se senta junto a Forrest na paragem de autocarro ao Tenente Dan Taylor (Gary Sinise).

Tom Hanks transforma-se por completo na personagem que representa. Desde o sotaque carregado de Alabama à forma arrastada como fala, pelas dificuldades que o QI lhe impõe, o Óscar de Melhor Ator, em 1994 foi uma vitória lógica. O intérprete foi capaz de incutir um caráter simplista e inocente mas versátil a Gump que, embora não seja visto furioso e a gritar, a chorar copiosamente ou a rir a bandeiras despregadas, transmite uma variedade de nuances expressivas, através do seu tom de voz e de subtis expressões faciais.

Forrest Gump

Destaca-se também a performance de Robin Wright, que interpreta Jenny Curran. A tristeza que carrega ao longo do filme ganha principal destaque na vida adulta, quando a leveza da forma como fala ou se movimenta transbordam já uma desistência e aceitação de que nem toda a gente tem direito a uma história ou final feliz.

A banda sonora acompanha os períodos que descreve através de músicas icónicas de cada uma das épocas correspondentes, marcada ainda pelas melodias compostas por Alan Silvestri. O tom do trabalho é perfeitamente detetável nestas últimas que, mesmo simples, mantêm a positividade característica do protagonista nos tempos mais adversos, como uma constante recordação de que neste persiste uma leveza de caráter.

Em suma, Forrest Gump passa o teste do tempo com toda a glória que lhe é associada. Apesar de ser interpretado como uma personagem com entraves psíquicos, Gump revela uma inteligência inerente, difícil de encontrar nas mentes mais sábias. Com uma premissa simples, o engenho da produção revela-se por detrás das cortinas, pela representação da história americana através da personagem principal.