Aquilo que parecia ser uma mais valia para o futebol está a tornar-se, a pouco e pouco e com pezinhos de lã, uma espécie de cegueira. Longe vão os tempos em que se pensava que a caixinha mágica ia trazer uma espécie de “democratização do desporto” e que ia aproximar as pessoas do mesmo. Da mesma forma se imaginava que os telemóveis ou qualquer dispositivo móvel iria melhorar a experiência desportiva. Então, a minha questão é: quantos jogos tens verdadeiramente vivido e visto nos últimos tempos?

Os ecrãs vieram afetar aquilo que na nossa visão é o desporto rei. Ainda sou do tempo que, ao fim de semana, tínhamos pelo menos um jogo em canal aberto. Fosse qual fosse, eu via, porque era uma oportunidade. A esperança nessa oportunidade voltou esta segunda-feira a ganhar forma. Em despacho publicado em Diário da República é expressa a vontade do Governo que seja transmitido, em canal aberto, um jogo por semana de um dos cinco melhor classificados da época transata, bem como os jogos oficiais das seleções masculinas e femininas e as finais de competições nacionais masculinas e femininas. Nuno Artur Silva, secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media considera, e passo a citar, “acontecimentos que devem ser qualificados de interesse generalizado do público, devendo o seu acesso ser facultado”.

Contudo, e por ainda alguns bons dias ou meses, o panorama mostra que além de quase não termos bola nos quatro principais canais, a lista parece alongar-se no que a estações televisivas diz respeito. Existem possivelmente dois, três canais a pagar caso queiras acompanhar a tua equipa, e a tendência é que esse número aumente.  Provavelmente não ficará barato e, mesmo assim, talvez tenhas que escolher entre ver a Liga NOS e a Premier League, ou ver a Champions League e a La Liga. Já todos sabemos que o futebol é um negócio enorme, mas também é festa, e a tendência nos últimos anos é que o número de convidados diminua.

Outro dos problemas que os ecrãs trouxeram é talvez a luminosidade. O verdadeiro espírito de apoiar a tua equipa num estádio foi trocado pelas “lanternas”, numa espécie de “onda” mas sem levantar. Os cânticos de apoio foram trocados pelas selfies e pelos cinco minutos em que escolhes a melhor hashtag para pôr no Instagram. O desbravar de um grito quando o camisola nove marca um livre à entrada da área, foi trocado por 40 mil câmaras a apontar com zoom para poder partilhar nas redes sociais. A emoção no futebol foi substituída pela necessidade de mostrar aos outros, ainda antes do apito inicial.

Se falamos em emoção, temos que falar do vídeo árbitro (VAR). Não é que considere errada a implementação do VAR, porque pela verdade desportiva devemos utilizar todos os meios que temos ao nosso alcance. Contudo, acarreta maiores consequências do que as que aparenta à primeira vista. Não se festeja da mesma forma, tira ritmo ao jogo e em nada beneficia os atores da partida.

A discussão do “era penalti ou não” já não faz parte das capas jornais, os minutos de compensação e as dúvidas em relação a alguns lances fazem agora as manchetes. Chegamos ao ponto em que, possivelmente, o tamanho do pé de um avançado vai ser característica essencial. Entre um pé que use chuteira número 45 e um que use a chuteira 39, pelo seguro, penso que o segundo seria melhor contratação.

Com estas coisinhas que o “ecrã da verdade” trouxe, também será altura de revermos as regras. E, como todos os ecrãs que envolvem uma partida, está na altura de revermos o verdadeiro futebol que queremos. Eu quero um futebol disponível, um futebol com golos, um futebol sem mesquinhez, um futebol feito de vivências e não guardado em memórias virtuais. Está na hora de voltarmos a encher os estádios com cânticos, de viver verdadeiramente todos os lances e de trazermos ao de cima a verdadeira paixão da redonda.