Magdalene é o segundo álbum da artista britânica Tahliah Debrett Barnett, mais conhecida como FKA Twigs. Sucessor do aclamado e visionário LP1, o seu primeiro projeto, a tarefa de não desiludir não se avizinhava fácil.

A força, no entanto, desta segunda vida da cantora assegurou-se de lhe reservar um lugar de destaque. Numa elite de consagrações e surpresas da década, surge como uma espécie de ressurreição pessoal depois de um par de anos complicados na vida íntima da artista com problemas de saúde e o término de uma relação complicada escrutinada pelos media.

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Este é um trabalho que revolve sobre os efeitos da comunicação social na vida pessoal de alguns artistas e celebridades. A força, o poder e o abuso da sexualidade feminina, além da afirmação única de alguém como indivíduo são também explorados.

É negro e intenso, com o experimentalismo a não destruir a faceta mais mainstream da música. Trouxe para 2019 um mundo ambivalente e singular, ambicioso e esquisito mas estranhamente cativante e apelativo.

As canções menos boas, como “Thousand Eyes” ou “Holy Terrain”, que soam excessivamente repetitivas e desinspiradas são seguras por aquelas onde a ambição e a visão do álbum atinge resultados dignos do trabalho da produção e das interpretações apaixonantes de Twigs. Magdalene parece o resultado das cicatrizes de traumas físicos e emocionais e da forma da artista os abordar e olhar para eles.

É um álbum confiante e frágil ao mesmo tempo, meticuloso e super trabalhado, onde, em algumas ocasiões, a composição base daquilo que é a forma primordial e o cerne de cada canção deixa um pouco a desejar. Não que seja um álbum sem conteúdo, bem pelo contrário. Contudo, a nível lírico podia ser mais desenvolvido em variados momentos.

A referência à personagem bíblica Maria Madalena não é por acaso. Centra-se nas complexidades de uma mulher marcada pela opressão de uma sociedade que não hesita em pisá-la, se isso tornar as coisas simples ainda mais fáceis.

Abrindo místico e cíclico com “Thousand Eyes”, é preciso esperar pela explosiva “Home With You” para sermos realmente agarrados e nos fascinarmos com o que há de melhor na discografia da artista. O desenvolvimento do tema é incrivelmente bem conseguido, numa canção de menos de quatro minutos com três momentos distintos, marcados pelas escolhas a nível de instrumentalização e produção.

Cada fragmento é cantado por sons escolhidos a dedo e manipulados com mestria. Desde a voz desesperada e dramática de Twigs a explosões de interferência estática como ritmo, procura os seus pares incompletos, naquilo que é um espetáculo criativo na colagem de ideias por forma a encorpar a canção.

Sad day” é uma canção onde é abordada a dependência de outra pessoa e o desalento que é imaginar uma vida da qual esta possa não fazer parte. É mais um bom momento ao qual se segue a música talvez mais desinteressante do disco. Em “Holy Terrain”, figura o rapper Future que em momento algum agarra a sua presença na canção ou no álbum para lhe trazer algo novo e positivo.

Mary Magdalene” e “Fallen Allien” constituem os 10 minutos mais bem conseguidos do projeto. A primeira é envolta por um espectro de sons que nos balançam no cérebro à medida que a canção se vai desenvolvendo até atingirem o clímax no último refrão. A tensão vai-se acumulando nos pormenores e detalhes mais obscuros, proporcionando um momento incrível na passagem para “Fallen Allien”- onde a produção da canção atinge o potencial da sua ambição. O resultado é uma mistura frenética de um conjunto de peças deformadas e esquisitas de um puzzle confuso, agressivo e vingativo.

Mirrored heart” é lenta e emocional. Com a letra falar das dúvidas do sujeito lírico sobre ser amada ou não pelo seu amado, mas afirmando que não vai desistir dele “But I’m never gonna give up / Though I’m probably gonna think about you all the time / And for the lovers who found a mirrored heart / They just remind me I’m without you”.

Segue-se a depressiva “Daybed”. Usa a sua incapacidade de se levantar e ser algo maior para apreciar os sopros e rastros eletrónicos que vão enchendo a canção com o vazio que o desalento e a dor trazem a qualquer pessoa. Por fim, no singleCellophane”, a beleza da música e o facto de ser a última faixa do álbum pediam um final diferente. Tal não invalida, no entanto, o valor e a capacidade de partir qualquer coração da melodia e da letra desta belíssima balada ao piano. “They’re waiting / And hoping / I’m not enough”.

Mas é mais que suficiente para nós que, de um modo triste e obscuro, somos parte do “eles”, ou pelo menos contribuímos para isso com cada clique nas notícias vazias e sensacionalistas que nos embargam os telemóveis e as redes sociais diariamente. Magdalene é um álbum excelente e muitíssimo interessante, com algumas lacunas a impedirem-no de ser realmente fantástico.

Destrutivo, caótico, fragmentado e estranhamento belo, mereceu marcar o ano que findou há pouco. E FKA Twigs prova o seu valor enquanto artista a todos os que duvidavam do seu primeiro projeto e a todos os que duvidavam que ela conseguisse replicar algo tão intrigante e interessante.