Travis Scott presenteou os seus fãs com um pequeno álbum de sete faixas, no dia 27 de dezembro de 2019. Com o Trap a caracterizar o Hip Hop atual, será imperativo desenhar a linha entre o antes e o depois deste género musical?
Travis Scott já é um nome bem conhecido do público. Da noite para o dia, o seu nome virou sensação e conquistou fãs pelo mundo inteiro. Depois de hits como “Drugs You Should Try It”, “Goosebumps” e “Butterfly Effect”, Scott viu a sua carreira despoletar. Assim, o rapper, compositor e produtor norte-americano assumiu-se como um artista de renome na indústria da música atual.
As críticas já são bem vincadas no que diz respeito à produção a computador nas músicas, especialmente o Trap. Muitas opiniões se geram à volta da insurgência deste acessório na música, e cada vez mais aprofundam o fosso entre as mesmas. Apesar do Trap se ter afirmado inicialmente no Hip Hop, atualmente assistimos a uma inundação noutros géneros musicais.
Ao que hoje é intitulado de mainstream, podemos facilmente denotar uma espécie de padrão em todas as músicas que ouvimos. Não que isto seja necessariamente uma crítica direcionada ao elemento recentemente adicionado à música. Porém, é inegável uma uniformização do som nas músicas.
A primeira música deste álbum já tem um título conhecido, mas com umas adições especiais. “HIGHEST IN THE ROOM” já tinha sido lançada como single, em 2019, mas apenas com a participação de Travis. Na versão do álbum, esta faixa é um remix e conta com o contributo de Rosalía e de Lil Baby. A letra é de índole amorosa e expressa uma progressiva distância que se vai construindo entre a sua segunda metade.
Talvez essa distância seja explicada, em parte, pela vida ocupada e apressada que Travis leva. Rosalía entra na música com versos que se aproximam do que Travis tenta passar na música, sendo a sua voz influenciada pelo autotune. Já Lil Baby diverge bastante na ideia da letra, pois mergulha no seu ego com referências excessivamente materialistas. No que diz respeito à produção, Mike Dean, OZ e Nik D esforçam-se para nos transportar para um ambiente antigravitacional e de hipnose enquanto levitamos. Nesse aspeto, a música na íntegra melhora substancialmente e, quiçá por essa razão, ganhou o seu lugar nas rádios internacionais.
Com uma curta duração de quarenta e sete segundos, “JACKBOYS” é a segunda música deste álbum. Talvez possa ser comparado a um interlúdio, uma vez que não possuiu nem letra nem instrumentos no ativo. Tem, contudo, uma produção que nos remete para um quadro sombrio. Não existe matéria palpável para crítica nesta música pelo que deixo uma analogia em aberto: o título da faixa é o mesmo que do álbum e, segundo um dicionário urbano, jack boys significa “pessoa que é ladra; comete assaltos”. Tendo em conta a capa do álbum, será que Travis Scott e os JACKBOYS vêm tomar posse da indústria da música?
“GANG GANG” é a terceira música do projeto. Na típica produção Trap das músicas no Hip Hop atual, esta faixa assemelha-se ao estilo habitual de Travis Scott. A “JACKBOYS” junta-se “Sheck Wes” para a entrega da faixa no álbum.
Neste tipo de letra é difícil encontrar uma espécie de seguimento para nos guiar. Na sua base reside uma ideia de comunidade no meio musical, na qual estão inseridos todos os artistas presentes. Um dia antes do lançamento da música, o videoclipe foi carregado no YouTube e registou os artistas a fumar num ambiente tranquilo de amizade. A este cenário não podia faltar a típica demonstração da ostentação que os seus carros expressam. Talvez seja isto a que a indústria da música atualmente se resume.
“HAD ENOUGH” é a quarta faixa do álbum e JACKBOYS contam com o contributo de dois membros do grupo MIGOS, Quavo e Offset, e de Don Toliver. Começo pela produção porque é claramente o melhor desta faixa. Num tom mais calmo e relaxante, a sample de “SUMMER” dos THE CARTERS claramente se destaca.
Já a respeito da letra, esta é uma das que se juntam ao grupo das repetidas neste estilo musical. É difícil atribuir algum tipo de esforço na realização artística da letra porque nos induz numa espécie de déjà vu, numa ideia de já termos ouvido determinadas palavras na boca de diferentes artistas.
“OUT WEST” junta JACKBOYS e Young Thug na quinta faixa. Segunda música mais curta de todo o álbum, esta apresenta uma produção mais energética. Porém, não junto nada de novo ou criativo à produção: soa a algo semelhante a muitas outras músicas deste meio. E a letra, mais uma vez, torna-se difícil de decifrar um contexto ou ideia. No fundo são versos soltos. Se neste verso falamos de um carro, no próximo falamos da mulher que nele está dentro. Talvez isto seja a única maneira destes artistas expressarem o seu sucesso…
“WHAT TO DO”, impressionantemente, inicia com uma guitarra, mas rapidamente se mistura na produção a computador. Novamente, junta JACKBOYS e Don Toliver. Esta sexta e penúltima música do álbum não tem uma produção digna de exclusividade, mas não é insuportável. Com o ritmo bem acertado, “WHAT TO DO” introduz uma letra algo mais compreensível. Numa história em que os artistas partilham o meio em que vivem, expressam também as suas tendências intoxicadas ainda que com um vocabulário vulgar e pobre.
“GATTI” é a sétima faixa e põe um ponto final neste projeto. Junta JACKBOYS e Pop Smoke. No meio da confusão de falas, risos e tosse provocada pelo fumo, “Trap House vibes” é o verso expelido por Pop Smoke.
Esta faixa é, indubitavelmente, a pior e mais pobre música de todo este álbum. Num som que até poderia ser bem aproveitado pelos artistas, estes arruínam por completo essa hipótese com uma letra repugnante e com tom de vozes incomodativos. Músicas como “GATTI” levam a questionar se isto é a meta final do Hip Hop.
Nunca fui muito de criticar o meio mainstream porque aceito que haja um espaço para todo o tipo de música. Porém, acho que a indústria da música está progressivamente a ser intoxicada com materialismo e aspetos descartáveis que nada enriquecem a música.
Como fã assumida de Hip Hop, especialmente o antigo, sou obrigada a distanciar-me do atual por se ter tornado numa constante que raramente muda. Não nego que este estilo musical sempre teve má fama, por estar ligado aos lados negativos do Homem. Contudo, costumava ser explicado por meio das desigualdades sociais e de realidades não escolhidas, muitas vezes acompanhado de letras profundas e elaboradas.
Atualmente, assistimos à prevalência do vulgar e promiscuidade em letras opacas. E, lamentavelmente, JACKBOYS integra parcialmente essa nova realidade musical.
Álbum: JACKBOYS
Artista: Jackboys e Travis Scott
Data de lançamento: 27 de dezembro de 2019
Editora: Cactus Jack Records