A música é um dos pilares da sociedade. São vários géneros, categorizações e produtos para todos os gostos e mais alguns. No entanto, já não se ouve tanto a música pela música, ouve-se mais pela pessoa que a canta. E diga-se de passagem que de pessoa começa a ter pouco. São personagens criadas para agradar a um público. Afinal de contas, a música é uma indústria: há que vender e ter lucro.

As letras são cada vez mais superficiais. Sempre que se tenta algo com mais conteúdo passa a ser uma coisa de nicho, não dá tanto (ou nenhum) lucro e cai no esquecimento. Fala-se dos problemas rotineiros e pessoais, porque é isso que vende. Mas então e o papel social? Certo que continua a reunir os amigos que vão ao festival de verão. Certo que continua a servir de tema de conversa para muitos. Mas e pela sociedade? Faz o quê?

Em Portugal por exemplo, a liberdade fez-se pela música. Sérgio Godinho, Paulo de Carvalho, José Mário Branco, Zeca Afonso, Carlos do Carmo. A excelência da música de intervenção. No Brasil, já numa tentativa de chegar às massas para uma revolução de costumes, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso. Quem lhes segue os passos atualmente?

Não há injustiças sociais na atualidade? Não há artistas que as vejam ou não há pessoas que queiram ouvir? O poder que a música tem começa a ser subestimado. O poder que tem de nos fazer sentir e levar a agir sobre determinado problema – entenda-se qualquer problema que envolva mais do que a resolução de um dilema de foro pessoal – começa a desvanecer.

Uma análise rápida à atual lista dos Top 100 da Billboard desta semana fazem o truque. As dez primeiras músicas que aparecem falam-nos de correr em círculos por uma relação que, muito provavelmente vai acabar em breve, da Roxanne que quer estar na farra a noite toda e de alguém que acabou um relacionamento para se amar a si mesma. São, segundo a Billboard, as dez músicas mais ouvidas no mundo esta semana.

O sentido crítico, por assim dizer, não vende. A música deixa de ser um veículo de promoção de um sentido de união por um objetivo maior. Passa a ser valorizada se chegar às massas, se passar de meia em meia hora na rádio e se o concerto esgotar em 15 minutos. Tudo o resto – a luta necessária em tantos aspetos da vida política, social e cultural – é muitas vezes posto de parte.

Temos liberdade há 45 anos em Portugal – a caminho dos 46 – e as taxas de abstenção atingem números recordes. Os direitos humanos – qual carta mais bela das boas vontades dos povos da Terra – continuam a ser violados, muitas vezes mais próximo de nós do que aquilo que queremos saber ser verdade.

A desigualdade de género, de desenvolvimento regional, aborto, eutanásia, a pobreza extrema e aqueles e aquelas que querem fugir à guerra e ter direito a uma vida. As drogas, os sem abrigos, a desvalorização das doenças mentais e da solidão. A escravatura, as crianças soldado e a violência doméstica. Podia continuar a lista, mas não a acabaria. Isto tudo está a ser cantado onde?

Na rádio passa mais uma vez a música que nos deixa com vontade de ir à praia ou de sair para abanar a cabeça. O que não é mau. Mas acrescenta quanto de utilidade a algo maior do que nós mesmos?