The Two Popes, de Fernando Meirelles, estreou a 20 de dezembro. Nomeado para Globos de Ouro, BAFTA, entre outros prémios, a narrativa problematiza, de forma intimista, dois representantes da Igreja Católica como homens comuns.
Corre o ano de 2012 quando o cardeal argentino Jorge Bergoglio emite um pedido ao papa, então Bento XVI. Pede para se reunir com ele em Roma para discutir a sua renúncia ao cargo para se reformar. Neste sentido, assiste-se a uma conversa entre ambos que ajuda a assumir, a partir daqui, as suas convicções sobre o passado e fantasmas que assombram o presente.
Ao longo do trabalho, viaja-se entre estas duas figuras como dois mundos que entram em colisão. Estabelecem-se, desde o princípio, as oposições de mentalidades: se, por um lado, uma das figuras é mais conservadora e ortodoxa, a outra distingue-se pelos costumes mais simples e informais.
O grande truque do realizador está, então, no subtil revelar dos traços que torna cada uma das figuras humanas. Bergoglio (Francisco), não se trata de um homem perfeito, mas sim de alguém que errou e que nem sempre esteve do lado bom da história. Sempre com algum humor à mistura, Fernando Meirelles pretende que o espectador perceba que os dois papas são seres humanos e que, como tal, possuem fragilidades e vulnerabilidades.
É impossível não referir a presença dos ilustres atores que protagonizam a trama. Por um lado, Anthony Hopkins (Bento XVI), é fiel aos ares germânicos, com uma presença essencialmente obstinada e fria. Já Jonathan Pryce (Francisco) transparece o espírito de humanidade. É de louvar que, em muitas das cenas, se fale espanhol, quase a desafiar o monopólio da língua inglesa a nível cinematográfico. Desde logo se revela a química entre os dois intérpretes, principalmente fruto da banda sonora e da imagem.
O som, como não podia deixar de ser, está intimamente ligado com o enredo. Numa primeira fase do diálogo entre os dois, escolhem-se ruídos de floresta, que denunciam o desconforto inicial entre os homens. E, se há algo que se manifesta em The Two Popes, é a tentativa de proximidade com o espectador, de fazê-lo sentir que ambas as figuras ilustres são, sobretudo, gente comum. Tal é evidenciado através das músicas “Dancing Queen”, dos ABBA, “Bella Ciao”, de Banda Basotti, e nas várias referências aos Beatles.
A fotografia, de César Charlone, é um dos elementos chave. Constroem-se momentos que tiram quase a respiração, através dos planos assombrosamente gigantes e perfeitamente alinhados, que transmitem a ideia de “bicho da terra tão pequeno”, a pequenez do ser humano. É ainda capaz de trazer à superfície as emoções do Santo Padre, pela intimidade que se coloca em cada captura. O cenário também não passa despercebido. É de aplaudir a recriação da Capela Sistina, em que grande parte do filme se desenvolve.
Fernando Meirelles consegue dominar o ritmo de ação dos acontecimentos. Porém, a longa-metragem não deixa de ter pontos fracos. Ao enveredar por um caminho mais biográfico, através de flashbacks dispensáveis, enfraquece o filme, na medida em que foge ao ponto central, a dupla de protagonistas. Neste sentido, as imagens reais do Papa Francisco, após se tornar quem é hoje, estão completamente fora do contexto. Ao querer acrescentar mais conteúdo, a verdade é que a narrativa acaba por se alongar e, de certo modo, perde o foco inicial.
Two Popes promove o contraste entre dois homens diferentes e, ao mesmo tempo, iguais. Apesar da imponência que constitui o Vaticano, o realizador quis tornar a Igreja humana e aproximá-la do espectador. Por fim, as interpretações irrepreensíveis de Pryce e Hopkins são elementos chave no esclarecimento do lado dos representantes da Igreja como seres humanos. Adota-se, portanto, uma perspetiva intimista e de proximidade.
Título Original: The Two Popes
Realizador: Fernando Meirelles
Argumento: Anthony McCarten
Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín
Reino Unido | Itália
2019