Num drama apelativo que descarrila drasticamente, Marielle Heller conta a história de amizade entre um apresentador cortês e um jornalista inclemente. Um Amigo Extraordinário estreia em Portugal no dia 6 de fevereiro e propõe-se a aclamar pela nossa criança interior.

Lloyd Vogel, um jornalista de mérito, recebe a proposta de escrever um perfil sobre Fred Rogers, apresentador do programa infantil Mister Rogers’ Neighborhood”. Esta tarefa torna-se num desafio pessoal, numa batalha interna e numa amizade revoltada e inesperada.

Um Amigo Extraordinário

A longa-metragem acompanha o processo de entrevistas, bem como o impacto que os ensinamentos de Fred Rogers têm na vida de Lloyd. No entanto, falha ao não apresentar diretamente o perfil tão esperado pelo espectador. A produção descarrila quando se começa a focar inteiramente na vida de Lloyd e foge da ligação que é desenvolvida no início entre as duas personagens. Um Amigo Extraordinário fascina, chama por nós e, depois, desencaminha.

No entanto, é um filme essencial. São-nos transmitidas fortes lições como se fossemos frágeis crianças à espera de um raspanete. Faz com que sejamos, involuntariamente, obrigados a ponderar e a refletir sobre o que somos, como agimos e quem queremos ser.

Toda esta reflexão não seria possível se não fosse pelo papel extraordinário de Tom Hanks. O ator exibe Fred Rogers de forma completa. A calma, a paz, a ingenuidade, a compaixão, o ritmo característico da sua voz e a envolvência são marcas evidentes no seu papel ao representar o artista infantil. A sua personagem é pura: é visível um mero homem, mas aquilo que o ator nos faz sentir com a sua performance é completamente diferente. O modo excecional como encara o papel garantiu-lhe a nomeação para o Óscar de Melhor Ator.

Um Amigo Extraordinário

De modo a realçar e a completar esta personagem, Matthew Rhys (Lloyd Vogel), representa nitidamente um homem retraído, frágil, hesitante e revoltado, que se opõe a Fred Rogers. Este contraste e por colisão permitem que ambos sobressaiam e tornam a longa-metragem mais intrigante. Isto acontece porque, por um lado, o espectador quer deixar-se levar pela bondade, pureza, mansidão e humanidade do apresentador e interligar-se completamente com este. Mas, por outro lado, é revestido de dúvidas devido à atitude negativa e intrigada do jornalista, o que o faz assistir ao drama com um pé atrás.

A narrativa de Um Amigo Extraordinário desenvolve-se segundo dois planos que acabam por colidir: o plano do programa infantil e o da vida de Lloyd. Aquele que evidencia o espetáculo expõe-se no ecrã com uma proporcionalidade diferente e com cores e texturas mais antigas. Em oposição, a vida de Lloyd é apresentada linearmente, como estamos habituados.

A banda sonora vem criar a atmosfera perfeita para a evolução da produção. A música clássica como fundo, intercalada com sons naturais e do quotidiano e com silêncios demorados, torna a história mais vívida e realista. Seria inútil de nós exigir mais.

Um Amigo Extraordinário é, assim, a história de uma amizade verídica que nos permite não só crescer, mas ser criança outra vez. É, talvez, o filme de que precisávamos.