O divórcio com a União Europeia (UE) foi “celebrado” no dia 31 de janeiro. Contudo, há quem ainda lamente a separação, que ao longo de três anos foi deixando um rasto de feridas. Cerca de uma semana depois, existe uma atmosfera expectante sobre aquilo que pode acontecer em 2020.

A verdade é que, se em dezembro as duas partes não tiverem assinado um acordo comercial ou acordado uma extensão do período de transição, o processo volta à estaca zero. A relação entre o Reino Unido e a UE vai funcionar como qualquer outra que envolva países que não façam parte da União dos 28, agora 27.

O Brexit pode, também, pôr em causa a coesão do Reino Unido. A retirada de um dos mais poderosos Estados-membros pode vir a suscitar a reunificação da Irlanda e a possível independência da Escócia. As sequelas podem, assim, afetar a credibilidade de Boris Johnson e do Partido Conservador.

Apesar de Johnson querer unidade no Reino e já ter recusado a realização de um novo referendo decisivo da independência escocesa, argumentando que é algo que acontece “uma vez numa geração”, Nicola Sturgeon não vai desistir. A primeira-ministra escocesa pretende participar nas negociações com Bruxelas de forma a que Escócia não saia prejudicada, reforçando a ideia de que este divórcio não vai ser barato.

A Irlanda depara-se com a questão de que a Irlanda do Norte já não é um Estado-membro – pois pertence ao Reino Unido – enquanto que a República da Irlanda é ainda um dos 27. Para que os fantasmas dos confrontos entre protestantes e católicos não voltem, Johnson vai ter de enfrentar o alinhamento da Irlanda do Norte com a terra mais a sul em matéria aduaneira. Esta solução permite que não se erga nenhuma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, sendo que uma possível reunificação só poderá acontecer através de referendos aprovados nas duas partes da fronteira.

Boris Johnson terá que, enquanto negoceia com Bruxelas, encontrar também formas de conceder mais autonomia a estes territórios sem perdas financeiras, até já tendo demonstrado querer um acordo comercial semelhante ao do Canadá. O CETA – Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá e a União Europeia, reduziu quase totalmente as tarifas dos produtos comercializados entre ambas as partes e, não criando unidade aduaneira ou mercado comum, a UE e o Canadá podem fazer acordos com outros países. No dia 3 de fevereiro, o primeiro-ministro garantiu que, caso não seja bem-sucedida a tentativa de um acordo de livre comércio, as negociações devem basear-se naquilo já escrito no acordo do Brexit.

As opiniões acerca da saída do Reino Unido diferem e vão sempre ser discrepantes. Os portugueses residentes em território inglês também se dividem entre aqueles que têm medo de lhes serem retirados direitos e aqueles que defendem que o Brexit é uma consequência e não uma causa. Uma consequência da política da União Europeia que tende a favorecer certos países mais do que outros, algo que Boris Johnson quis demonstrar no discurso “Unleash Britain’s Potential”, que é também título do manifesto do Partido Conservador.

Um potencial que Johnson pretende não só desencadear, mas também explorar. Fez várias promessas que pretende cumprir após o Brexit, tais como melhorias no setor da saúde, da educação e investir em cada cidade e região do país. O primeiro-ministro britânico acredita que focar-se nestas áreas irá criar postos de trabalho e transformar infraestruturas, para que o Reino Unido cresça economicamente sem influências da UE.

As próximas fases de negociações acontecem entre março e dezembro, e é talvez por causa disto que penso que ainda vamos ouvir falar bastante sobre o Brexit este ano. De facto, a meta de Boris Johnson é conseguir fechar este capítulo até ao final de 2020. Contudo, penso que dezembro não vai ser o fim, pois a discussão de um acordo comercial com a União Europeia, aliada às ameaças da Irlanda do Norte e da Escócia, podem prolongar este capítulo.

Não me identifico como brexiteer, nem remainer. Mas não posso deixar de pensar que Boris Johnson tem uma tarefa pesada e complexa pela frente e a melhor solução será aquela em que os territórios do Reino Unido têm autonomia e estão alinhados com os seus interesses. Por isso, uma boa relação com União Europeia é essencial. Uma relação de 47 anos deixa marcas e definitivamente que as deixou no Reino Unido.