Mick Jenkins começou o ano de 2020 com o lançamento do terceiro EP na carreira. O rapper norte-americano não desperdiçou versos e fez do seu circo um espetáculo que talvez a indústria da música atual devesse seguir com atenção.

Mick Jenkins não é dos nomes mais conhecidos no mundo do Hip Hop. Contudo, o potencial de criar espaços de expressão através da música forçam o seu destaque. The Circus é mais um  projeto promissor. Sendo todas as músicas categorizadas como explícitas, fica claro que Mick Jenkins tem algo a dizer.

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A primeira faixa, “Same Ol’”, começa com uma produção distorcida e que nos induz num ambiente de confissão. Mick Jenkins não nos poupa na verdade. Os versos expressam um orgulho por se manter fiel ao seu caráter sem se deixar levar pelo materialismo que a  profissão teima em oferecer. São poucos os que hoje não se deixam tentar pelo que o sucesso e a fama podem brindar. E assim, o rapper entra neste projeto com o pé direito e conquista todos com a capacidade de reconhecer com lucidez o meio.

Se a produção a computador e o trap se tornaram uma norma algo repetitiva no mainstream, Mick Jenkins soube surfar essa onda na perfeição. “Carefree” é a segunda faixa deste EP e o rapper conseguiu usar o novo acessório da música a seu favor. Diria até que a produção desta música consegue encaminhar os nossos ouvidos para uma paz de espírito memorável. Com uma letra que toca no assunto sensível da brutalidade e violência policial, é curioso a dissimilitude entre o instrumental e os versos desta faixa.

“The Light” é a terceira faixa e conta com a participação de EARTHGANG. Esta música incentiva não só os artistas envolvidos mas também todos aqueles que têm a iniciativa de a ouvir. É uma permissão para nos sentirmos confortáveis na nossa pele e abraçarmos a nossa singularidade. E a música pode ser essa ponte entre a solidão e a nossa capacidade de conectar. E apesar da produção a computador estar presente e sem nenhum instrumento musical no destaque, a música não perde a qualidade que facilmente seria reconhecida numa com instrumental mais elaborado.

Com segundos iniciais mais calmos e quase silenciosos, “Flaunt” surge como a quarta faixa deste EP. Jenkins expressa um incómodo provocado pela constante necessidade das pessoas que o rodeiam quererem saber demasiado sobre a sua vida. Num tom algo irónico, o artista denota que apenas prestam atenção a aspetos irrelevantes. E isso leva-o a questionar se a criação da sua música pode ser aceite somente se os versos derem ênfase à sua riqueza e não à sua verdade.

“The Fit” é a quinta música deste projeto. Mais uma vez, o tema da autenticidade da personalidade surge. Com mais uma música a reforçar a pureza do seu caráter, admite que “ I can’t quit, I’m too legit”. Jenkins fica convencido que a sua presença na indústria é necessária para que esta não caia na promiscuidade que há muito lhe é prometida. O facto de criar conteúdo que incentiva o nosso melhor lado é mais do que motivo para permanecer. No que diz respeito à produção, o Trap está presente, mas sem o exagero a que estamos habituados.

Penúltima faixa é “I’m Convinced” e convence logo à partida com uma batida meticulosa. Com metáforas implícitas a transbordar significado, Mick Jenkins sente-se mais do que convencido de que o caminho é este. Um caminho que não oculta os obstáculos, mas que força o rapper a contorná-los com uma honestidade intrínseca. Escusado será dizer que a produção se mantém linear até aqui. Contudo, o arranjo musical dá espaço para à voz de Jenkins se destacar e de até o acompanhar numa batida que prende.

Para terminar o projeto temos “Different Scales”. Tal como o título indica, Mick Jenkins está numa escala diferente. Soube elevar-se sem derrubar ninguém. Manteve a sua personalidade, mesmo que o sucesso o tentasse induzir no erro. Como menciona nos versos, ele esteve na pole position e teve de se relembrar do que tinha.

Teve de se despir do desnecessário e do irrelevante. Reconheceu que foi o seu talento que o elevou. E assim, criou uma distância entre o que o distingue de muitos outros. Já a produção desta música transmite uma espécie de aceitação por parte do artista do que atingiu. Não é um som agressivo, mas também não adormece na subtileza. Assume a batida acertada e Mick Jenkins altera a sua voz no refrão tornando esta faixa mais interessante.

The Circus é um pequeno projeto, mas que não perde no conteúdo. Na essência é uma (re) lembrança da consciência tranquilizada pelo caráter inquebrável. Talvez Mick Jenkins não tenha a projeção que muitos outros (por vezes, sem mérito) têm. Mas o público que tem, por muito restrito que seja, é capaz de reconhecer o seu valor artístico. E com a capacidade de brincar com as palavras e com elas fazer jogos enigmáticos, Jenkins pode vir a ser colocado lado-a-lado com nomes do quadro de excelência do Hip Hop atual.