O evento contou com uma formação do advogado Nuno Poças que, posteriormente, se juntou num debate com o jornalista Luís Rosa, a juíza Octávia Marques e com o moderador Pedro Morais.

O Curso Breve “Segredo de Justiça: Mediatização na Comunicação Social” realizou-se, na passada quarta-feira, na Escola de Direito da Universidade do Minho. Organizado pelo Associação de Estudantes de Direito da Universidade do Minho (AEDUM) e pela Young Minho Enterprise (YME), o curso demonstrou como a justiça e a comunicação social estão interligadas.

O advogado Nuno Poças começa a formação por abordar o direito penal e os três modelos de justiça existentes. O acusatório, que assenta no princípio da produção de inocência e na disputa entre o acusado e acusador; o inquisitório, que reforça os poderes da acusação e investigação e concede menos direitos ao arguido; e o modelo misto, onde o acusatório vigora na fase de investigação e o inquisitório na fase de inquérito. “Como o modelo português é misto com base acusatória, toda a temática do segredo de justiça relaciona-se com o tipo inquisitório da investigação do processo penal e com descobrir meios de prova”, esclarece.

Nuno Poças explica, então, que o segredo de justiça é uma situação em que se mantém sob sigilo os processos judiciais ou as investigações policiais que, geralmente, são públicos, de forma a proteger informações privadas e a evitar que o arguido tenha conhecimento antecipado das provas. Explica que, quando sob segredo de justiça, a comunicação social é vedada da transmissão de imagens e gravações de atos processuais ou escutas telefónicas e da publicação da identificação de pessoas que cometeram crimes graves.

Contudo, explica que quando a comunicação social difunde factos que descobre sozinha, através de fontes, não comete qualquer violação do segredo de justiça. “Qualquer pessoa pode assistir ao debate instrutório e aos atos processuais da fase de julgamento, mas os meios de comunicação social podem fazer uma gravação circunstanciada dos atos processuais quando não se encontram sob segredo de justiça”, reforça Nuno Poças.

Quanto à relação entre a justiça e a comunicação social, o advogado considera que a investigação jornalística pode contribuir para que os agentes judiciais cheguem mais rápido a provas e testemunhas. “Para haver restrições à liberdade de expressão, a restrição tem de estar na lei e tem de ser necessária numa sociedade democrática”, comenta face às várias condenações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra o Estado Português devido à limitação da liberdade de expressão.

“Este é um tema que perpassa toda a sociedade” afirma a juíza Octávia Marques, no debate que marcou o fim do Curso Breve. A juíza explica que, como se consegue aceder através da comunicação social ao que acontece em julgamentos, as pessoas acabam por perder a sua privacidade devido à exposição mediática. Deste modo, Octávia Marques realça o papel do segredo de justiça na proteção das pessoas durante o julgamento: “O segredo de justiça existe para defender os interesses que estão contrapostos, mas merecem tutela de direito”, acrescenta.

A juíza exprime que os portugueses são bons a regular e legislar, mas na efetivação prática das suas normas “são péssimos”. Ainda assim, acredita que o sistema não é desequilibrado, mas deveria ser mais simples e direto. Para Octávia Marques, apesar do segredo de justiça pertencer ao código penal, põe a questão de até onde pode ir a liberdade de imprensa no confronto com os interesses dos particulares.

Luís Rosa, por sua vez, menciona que a justiça não estava preparada para a privatização da comunicação em Portugal e que a relação entre a justiça e a comunicação se agravou devido à transmissão de julgamentos em direto na televisão, proibidos rapidamente. O jornalista considera que o jornalismo é visto por muitos como uma atividade menor, mas que o seu objetivo “principal numa democracia é escrutinar os titulares de cargos políticos”.

Segundo o Luís Rosa, os jornalistas fazem-no de forma a informar os cidadãos de modo a que estes possam tomar uma posição sobre os poderes legislativo, judicial e executivo. “Sem escrutínio jornalístico, uma república nunca seria uma verdadeira república”, sublinha. O jornalista termina afirmando que, apesar de existirem jornais portugueses que já violaram o segredo de justiça, considera que o nosso país tem uma das melhores práticas jornalísticas.

Depois de cada orador partilhar as suas ideias, debateram, entre outros assuntos, a lógica moral, interesses públicos, sistemas de coação da justiça e vários casos mediáticos. O curso terminou com espaço para questões por parte do público.