Os Conselhos da Noite é o seu filme mais recente, que coloca Braga como pano de fundo e centro da ação.

A película, que conta com o ator Tiago Aldeia no papel principal, está a concurso no Prémio de Cinema Português do Fantasporto. Após a antestreia mundial neste festival no passado domingo, o realizador, José Oliveira, partilhou com o ComUM a experiência enquanto cineasta e, mais concretamente, com este novo trabalho.

O filme foi maioritariamente gravado em Braga e teve a participação de pessoas da cidade e da região. O produtor, Daniel Pereira, o argumentista, João Palhares, e o ator Adolfo Luxúria Canibal, também vocalista dos Mão Morta, são alguns exemplos. O filme estreia a 2 de abril nas salas de cinema nacionais.

ComUM – Como surgiu a ideia para o filme?

José Oliveira – Foi num inverno como este, um inverno rigoroso em que eu estava em Braga com um amigo meu que escreveu o argumento, o João Palhares. E notámos que, de facto, a perceção que as pessoas que vivem nos grandes centros – ou seja, Porto e Lisboa – têm de Braga era uma imagem injusta. Então, queríamos devolver qualquer coisa da cidade, tanto do seu presente como da sua história, uma nova visão muito menos acanhada, mais para a frente, mas, ao mesmo tempo, quase um documentário histórico.

ComUM – Porquê o título Os Conselhos da Noite?

José Oliveira – Os Conselhos da Noite é um título do João Palhares. Demorámos um bocado a achar um título. Primeiro, o filme passa-se muito de noite, e o personagem tem um lado negro, no sentido em que está a passar uma crise na sua vida e decide regressar a casa. Um pouco como na história do “filho pródigo”. E a noite é significativa porque, durante um período mais austero, mais confinado, em que Braga era mais rígida do que agora em termos sociais, tudo o que era mais interessante passava-se à noite. Metaforicamente e mesmo materialmente. Os Mão Morta, o Sebastião Alba, muita gente.

ComUM – O elenco deste filme é composto quase na totalidade por bracarenses e minhotos, à exceção do protagonista. Por que motivo escolheu um lisboeta para o papel mais importante?

José Oliveira – Utilizámos o Tiago Aldeia, de Lisboa, muito conhecido, porque este é um daqueles filmes em que o personagem principal aparece em quase todas as cenas e era preciso um ator que tivesse um certo arcaboiço, uma certa dimensão e fisicalidade. E ele tem uma coisa dos atores de composição, daqueles antigos como o Marlon Brando, o Montgomery Clift, o James Dean. É camaleónico, consegue adaptar-se e é trabalhador. Estudou o sotaque bracarense, veio interagir com as pessoas, mudou o argumento… Foi um trabalho que não traiu o espírito de Braga.

ComUM – Sendo esta uma produção “made in Braga”, quais foram os principais desafios ou vantagens de fazer cinema longe do grande centro de produção cinematográfica do nosso país, que é Lisboa?

José Oliveira – Também já fiz alguns pequenos filmes em Lisboa e, se filmares em Lisboa ou no Porto, já quase tudo foi filmado. Em Braga, [fazer cinema] é fascinante porque é um território virgem e é lindíssimo. Tem um poder da História, as pedras quase que falam. Tem coisas fotogénicas, verdadeiramente cinematográficas. E tem as pessoas.

ComUM – Tal como a produção do filme, o protagonista também virou costas à capital e decidiu rumar a Braga. Sem desvendar muito do enredo, consegue explicar em que medida é que este facto é relevante para o filme?

José Oliveira – Por um lado, tem que ver com uma coisa mais intemporal. O personagem deixou uma cidade no princípio dos anos 2000, mais pequena, para ir para a capital atrás de todos os sonhos. Um pouco como eu. É preciso ir para uma cidade grande: Lisboa, Berlim, Barcelona… E vais cheio de sonhos, vais querer fazer reportagens fabulosas, mudar o mundo, ajudar as pessoas, alterar a sociedade. Foi isso que lhe aconteceu e, depois, embateu contra a realidade: a política, uma sociedade que despreza o mais fraco, os imigrantes, os desprotegidos… Os seus sonhos desfizeram-se e ele voltou a Braga.

ComUM – Numa entrevista, disse que Braga era uma cidade “católica e parada no tempo” e que, entretanto, sofreu “uma mudança para melhor”. O que sublinha dessa transformação?

José Oliveira – Braga já foi mais parada no tempo, mais católica no sentido de ser menos progressista, mais cinzenta. Há 15 anos, era difícil haver um concerto à semana. Agora, ali na zona dos bares da Sé, apanhas sempre um concerto, uma jam session, uma sessão de poesia, algo que anime a noite. Temos também o Theatro Circo, a Gnration, e quase todas as semanas há cinema, peças de teatro. Foi um choque como, em pouco tempo, houve essa mudança de paradigma que acarreta uma nova visão do mundo por parte dos jovens e mesmo das pessoas mais antigas. Abriu horizontes. As pessoas podem agora ver coisas de fora e, ao mesmo tempo, há criação da gente de Braga.

ComUM – Fazendo agora uma retrospetiva, já realizou outros trabalhos como O Atirador e Sem Abrigo. Consegue encontrar semelhanças e/ou diferenças entre estes e o seu novo filme?

José Oliveira – Esses filmes são mais independentes, feitos com os amigos e com menos dinheiro. São coisas diferentes. Este filme, de facto, tem uma dimensão maior, no sentido em que há mais personagens, mais locais – até começa no Alentejo. É um filme com uma ambição maior, com mais responsabilidades económicas, mas o princípio é o mesmo: estar à altura das circunstâncias, filmar de uma maneira que não traia o espírito dos lugares e das pessoas, não inventar e não mentir.

ComUM – O filme já teve antestreia, mas só vai estrear no próximo dia 2 de abril. Quais são as expectativas?

José Oliveira – Gostava muito que todos os bracarenses pudessem ir ao cinema e ver o filme, que o apreciassem. Não é uma comédia ou um filme turístico que só diz bem e exalta a cidade. É um filme crítico que põe questões, que nos diz que esta não é a sociedade ideal. Que diz “olhem para o lado, procurem o vosso semelhante, não estejam só agarrados às tecnologias, às coisas fáceis”. Portanto, é um filme dramático, um bocado pesado, mas que espero que tenha uma luz ao fundo do túnel. O Tarantino fez uma ode à sua cidade com Era uma Vez em Hollywood. Este podia ser o Era uma Vez em Braga.

ComUM – Numa palavra, como é este filme?

José Oliveira – Sincero. Com as gentes, os locais, a História, a paisagem… Com este espírito bracarense de, apesar de não estar tudo bem, estarmos a tentar melhorar (risos).