A 13 de março, King John lança o seu primeiro disco de longa metragem. Em All the Good Men that Did Ever Exist, o alter ego de António Alves propõe-nos uma experiência submersível. Entre fortes marés e esporádicos momentos de serenidade, somos convidados a vivenciar, em primeira pessoa, a sua força.

António Alves, mais conhecido por King John, nascido e criado na ilha de São Miguel – Açores, apodera-se da música como uma forma de evasão. O artista assume ser influenciado por uma abordagem DIY. Tal como um artesão, propõe-se a criar obras musicais de raiz. Assim, é considerado produtor e multi-instrumentalista.

Throwing Punches

“Interlude For Humanity”, a primeira música do álbum, é um resumo, de duas páginas e meia, da proposta instrumental do artista. King John percorre todos os géneros musicais (atrever-me-ia a dizer, estilos até inexplorados, que o artista agora desbrava). De acordo com o próprio, cada manifesto sonoro representa uma emoção que sente perante o mal que o ser humano faz ao planeta terra.

O som de um delicado piano guia-nos como se estivéssemos a seguir um caminho desconhecido através de um desenho no chão. De repente, somos surpreendidos com algo. Neste caso, o som distorcido de algo que (não me perguntem porquê) sugere a imagem pré-concebida daquilo que é uma nave espacial e os senhores extraterrestres.

A intensidade crescente de tal som leva-nos a uma sensação de transe. Transporta-nos para um mundo calmo, desconhecido, mas estranhamente familiar. A percussão aparenta representar também o aumento do nosso batimento cardíaco. Este acaba por se misturar com o espaço envolvente. Diminui. Calma novamente. Piano. Introspeção.

Desculpem pela gigante descrição e se a minha interpretação não vai de encontro à vossa. Contudo, acho que é aí que incide o verdadeiro poder da arte, neste caso concreto, o verdadeiro poder da música. O autor tem a sua ideia, materializa-a e nós, “vivenciadores” de tantas outras experiências, interpretarmo-la à nossa luz.

Há pouco, esqueci-me de referir que King John, além da sua carreira musical, aventurou-se em várias outras atividades profissionais. Enquanto trabalhava num veleiro e navegava pelo Mediterrâneo, surgiu-lhe a possibilidade de regressar para a sua ilha, para a família, para o (considerado) mais seguro. No entanto, recusou e prosseguiu o caminho para França.

Daí não será estranho que a segunda música do álbum se chame “Go To France”. O artista acredita que a melhor forma nos encontrarmos é seguindo os nossos sonhos, independentemente do que sejam e dos possíveis resultados – “yes, i follow my dreams / My dreams will take me for the long run.

Creio que o refrão de “Go To France” é bastante simples, resumindo-se a rimas quase que primitivas. Contudo, de uma simplicidade tal que contagia qualquer pessoa, quer seja para murmurar um pouco da letra ou para abanar o capacete. “Go, go to France. Do the dance. Take a chance. Find romance.

“Walk It Off” oferece-nos, surpreendentemente, um beat e uma rouquidão reconhecível. No entanto, essa “normalidade” depressa se difunde, uma vez que nos é apresentada uma guitarra (deixo aqui um ponto de interrogação pela “leigalidade” que me pertence) impressionante.

De qualquer das formas, a parte mais marcante de “Walk It Off” é a sua lírica. King John constata a realidade, que “troubles come and go” e que, muitas das vezes, somos “days slavers”. Contudo, temos de ser capazes de superar esses mínimos problemas.

De modo a exemplificar a dinâmica, o artista faz referência à saga Star Wars – “Don’t turn into Darth Vader, be the light”. Além disso, menciona a necessidade de chapadas de luvas brancas. Com estas espera que as pessoas acordem do comodismo em que estão inseridas – “I don’t mind a strait kick in the face. You think it’s rude. I think it’s good. It will wake you up from that dream you call being safe.

A quarta música do álbum apresenta um título bastante auto explicativo, “Don’t Love Me, Love Yourself”. Como conseguimos desde logo perceber, o single trata de amor próprio. Além disso, da necessidade de nos amarmos, antes de podermos amar outro alguém. Juntamente com a temática, surge um instrumental mais melancólico.

I am no city boy indeed, I am more like an island naive”, esta é a premissa da quinta música do álbum All the Good Men that Did Ever Exist. King John fala-nos da experiência de um menino da ilha que veio parar à desconcertante Lisboa. O artista reconhece dificuldade de adaptação – “Sometimes I feel like a kite in a hurricane”. No entanto, o pai sempre o ensinou “make it work” e foi isso que ele fez, “I play the game.”

Aos dois segundos, “Whimsical” ataca-nos. Ficamos desde logo perplexos. Pelo menos falo por mim, que tive de recuar esses míseros segundos umas quatro vezes. Nesta música, o artista reconhece ser ainda uma criança andante. Refere, mais tarde, que “she is the reason that I am alive”. Esta she poderia ser uma mulher. Contudo, eu acho que se trata da tal criancice que tem dentro de si.

Em “Am I Cool Enough?”  King John menciona Charles Bradley, um dos reis do Funk, Soul e R&B, referindo que vai optar por um Bradley Style. Além de algumas parecenças instrumentais, o artista afirma pretender ser tão ou mais persistente quanto Bradley. Sendo assim, deixa logo claro que não é uma “tool for you to use, abuse and reuse”.

“All the Good Men that Did Ever Exist” corresponde à oitava música do álbum. Esta dá continuação à premissa do interlúdio, ou seja, à preocupação de King John com o comportamento humano para com a natureza. O artista proclama os humanos como “masters of the destruction”, como “grave diggers”.

Tenta explicar (como se fossem ainda precisas mais explicações) que há coisas que não podem ser compradas e que os seres humanos não têm o controlo sobre tudo e todos. Aproveita para referir que “mother earth doesn’t deserve all the suffering and all the hurt” e que “one day she will find a way to “kick us out.”

A última música do álbum é intitulada “Short Dance, a True Story”. Instrumental suave. Introduzida com múrmurios que deixam transparecer uma tristeza tal. Esta fala sobre a morte. Sobre a desnaturalidade de um pai que se vê obrigado a enterrar o seu próprio filho. A esperança prevalence, “I hope someday you find your way back home”, a dor também.

All the Good Men that Did Ever Exist de King John cumpre a sua proposta. De um momento para o outro, vemo-nos completamente mergulhados na reflexão das diferentes problemáticas sociais que nos vão sendo apresentadas. Por isso, mesmo que a “multi-instrumentalidade” do artista apareça como estranha ou, até mesmo, confusa, este é um álbum que, ouvido com atenção, agradará a gregos e a troianos.