The Windermere Children estreou a 26 de janeiro. A longa-metragem retrata a redescoberta da vida de uma forma digna, conjugando a cinematografia, a música e o enredo numa narrativa que não nos larga mesmo depois de acabarmos de ver o filme.

O novo drama biográfico da BBC relata a história de jovens sobreviventes de dois campos de concentração através da dramatização de histórias verídicas. Muitas são as vezes em que crianças e jovens são personificados como a esperança das gerações futuras. No entanto, a esperança destes há muito que desapareceu. As partes macias e delicadas associadas a estas idades desapareceram por completo ou quase, restando apenas os últimos resquícios de curiosidade por uma vida mais calma e digna.

The Windermere Children

Em 1945, o governo britânico acolheu 750 crianças de Auschwitz e Belsen. Entre elas, 300 foram levadas para Windermere de modo a serem reabilitadas e reintegradas no mundo pós-guerra. Como mencionado, as histórias são baseadas em eventos e pessoas reais, explícito no princípio do filme e no fim pelas versões agora adultas das personagens dramatizadas.

Tal como esperado de qualquer obra que retrate eventos associados ao Holocausto, há uma sobriedade inerente ao filme, mesmo antes de ser visto. A densidade histórica do assunto inculca a qualquer trabalho cinematográfico sobre esta tragédia um aviso de que o que está prestes a ser visto não é para ser tomado de ânimo leve. Não obstante, The Windermere Children apenas mostra o que é realmente necessário ver, não cai no erro de dramatizar excessivamente a situação com a simples intenção de chocar a audiência.

O trauma das personagens revela-se nos detalhes. Vê-se na insistência de um rapaz em ser chamado pelo nome correto após lhe negarem durante anos o direito a uma identidade e na rapidez com que as crianças fogem com o pão e o escondem aquando do primeiro pequeno-almoço. O mesmo se dá na aula de desenho, as pinturas a preto e vermelho que transcrevem para imagens aquilo que não conseguem dizer por palavras.

The Windermere Children

Apesar de nenhum de nós ter passado pelo mesmo que aquelas crianças, o filme faz um excelente trabalho ao ligar as sensações das personagens às nossas. Quando na primeira noite, por fim, Benyak (Pascal Fischer) pousa a cabeça na almofada para dormir, a audiência descansa também. O tormento da viagem de autocarro, um espaço fechado e acastanhado, seguido da longa espera na enfermaria deixa-nos exaustos. O momento de sossego de Benyak é dele e nosso.

Da mesma forma, ainda numa das cenas iniciais, um dos rapazes decide afastar-se dos dormitórios. Rapidamente a sua passada se acelera e, não tarda nada, corre às gargalhadas pela floresta fora. A câmara acompanha o seu movimento, envolvendo a silhueta pálida do jovem com os tons de verde escuro da folhagem que afasta energicamente com os braços. E, por fim, para em frente a um rio. A amplitude do espaço e o silêncio deixam-nos respirar e sentir que, finalmente, Salek (Jakub Jankiewicz) saboreia o privilégio da liberdade.

A simplicidade do enredo, que não necessita de aparatos ou plot twists, complementa-se com a densidade da cinematografia e da banda sonora. Através destas, expressa-se a inocência e juventude das crianças, aparentemente perdidas. Composta por Alex Baranowski, é impossível não ficar de lágrimas nos olhos de cada vez que os instrumentos começam a tocar. A fluidez e soledade dos tons incutem-nos simultaneamente a ideia de segurança e conforto e melancolia pelo passado tingido de horror dos jovens.

The Windermere Children

Porém, a cinematografia é, para mim, um dos pontos altos do filme. A serenidade das cores que circundam os jovens – o verde da floresta, os tons amarelados dos seus pijamas – complementa na perfeição a serenidade da música. No entanto, durante a noite, a amplitude e espaço dos cenários são substituídos pelos tons escuros dos quartos, seguidos de planos mais abertos dos dormitórios. Os gritos de horror contra pesadelos substituem as notas musicais numa representação simultânea da ideia de sufoco e solidão.

Saliento ainda a performance dos atores, principalmente a dos mais jovens, que representam com brio a transição entre momentos de desassossego e de leveza. A perspetiva de cada uma das suas personagens em relação ao futuro que poderiam ter e a forma como encaram o que aconteceu é clara nas suas atitudes.

Em suma, de The Windmere Children retira-se, fundamentalmente, a coragem e o esforço por parte daqueles que viram o pior da humanidade e, ainda assim, insistiram em redescobrir a vida e em ter esperança no futuro. A cinematografia, a música, o enredo e a prestação dos atores, juntamente com os testemunhos dos sobreviventes reais, contribuíram para a construção de uma história digna de honrar os sobreviventes do Holocausto.