Uma das incontáveis obras de Alice Vieira, lançada em 1982. A mais nova de três irmãs: primeiro Rosa, minha irmã Rosa (1979), seguida de Lote 12, 2º Frente (1980) e, por fim, Chocolate à Chuva. Um livro para crianças, que aclama a inocência outrora perdida pelos adultos.
Mariana tem 13 anos, é espevitada, curiosa e sem papas na língua – a clássica rapariga que habita as famosas histórias de meninas. Vive a indecisão de uma ida a Espanha com a sua família, experiencia o seu primeiro acampamento e assiste ao divórcio dos pais de Rita, uma amiga. É a história desta menina que preenche o livro, é a sua ingenuidade que ensina o leitor.
Para alguns, Mariana pode lembrar uma irónica mártire, ao apresentar estes assuntos meramente quotidianos e ridiculamente banais pela sua visão. Mas Chocolate à Chuva não é nada disso. A obra queima rapidamente estas baixas expectativas e oferece ao leitor gargalhadas desimpedidas, uma visão de vida incrível e um pensar excecional. Encontramos na personagem principal parte de nós, do nosso presente adulto e talvez, da nossa passada criança. Sim, este livro é recomendado no ensino básico, mas na verdade não há altura ideal para sucumbir numa leitura desta dimensão.
A partir da primeira página, parece que já conhecemos Mariana e a sua essência, o seu rosto e o seu pesar. Rapidamente nos apaixonamos pela sua frontalidade misturada com o seu amor, insensibilidade e pureza. Admiramo-la página a página, pensamento a pensamento. E quem nos dera ser assim. A perspetiva que partilha sobre tudo aquilo que a rodeia é digna de apreciação, como a sua forma de agir.
A menina parece ter a subtil habilidade de expor, no seu dia a dia, as verdades que todos sabemos e não ousamos mencionar. E parece ser mestre em fazer as perguntas que teimamos não dar respostas, tais como: “os peixes vão ao veterinário?”, “porque raio é que ainda existem prédios sem elevador?”, “porque é que é feio apontar?”, “o que é que se faz quando alguém chora à nossa frente?” e “o que é que rima com ‘víveres’?”.
A vida apresentada é deveras comparável. As relações que Mariana possui com os pais, amigos e consigo mesma são expostas com muita transparência. Os sentimentos e reflexões são ainda mais francos e autênticos. Encontramos nela e na sua forma de ser, obrigatoriamente, algo de nós. A inocência e a verdade que banham as suas palavras é tanta e tão relacionável que nos faz rir desalmadamente e pensar: “isto é tão assim”. Rosa, irmã de Mariana ajuda neste ponto. A forma como a sua personagem saltita por entre as páginas do livro oferece um humor ainda mais livre.
No decorrer incomplexo da história, desde o acampamento ao divórcio, o leitor caminha ao som de um sentir dócil e de um olhar intrigado da realidade. Temos uma escrita desimpedida e tão virtuosa como a mentalidade de um ser pequenino. É uma leitura tão simples que chega mesmo a encantar. Por vezes, emaranhamo-nos tanto no pensar da protagonista que nos vemos a apoiar afincadamente os seus dilemas e crenças. Por fim, ficamos ainda sujeitos a um raspanete da mesma.
Alice Vieira concretiza a sua arte não só, mas também em Chocolate à Chuva. Uma obra genuína, honesta e digna de qualquer idade e leitor. Porém, aconselho-a aos mais autênticos. A esses, o chocolate à chuva revela-se no último capítulo.
Título Original: Chocolate à Chuva
Autor: Alice Viera
Editora: Caminho
Género: Romance
Data de Lançamento: 1982