Swallow estreou a 6 de março nos Estados Unidos e rapidamente conquistou a aprovação dos críticos. A forma pouco convencional com que a história aborda problemas domésticos e psicológicos, juntamente com a forte performance de Haley Bennett, tornam esta trama numa das pequenas preciosidades cinematográficas de 2020.

Mirabella-Davis, o guionista do filme, inspirou-se em grande parte na história de vida da avó. Presa num casamento infeliz na década de 50, quando se esperava que as mulheres se regessem por um livro de códigos invisíveis socialmente aceites, acabou por se refugiar num ritual compulsivo de lavar as mãos. Num só dia, chegava a usar quatro barras de sabão e, por semana, 12 frascos de desinfetante. Eventualmente, acabou por ser internada num hospital psiquiátrico, sujeita a terapia de choque e a uma lobotomia sem o seu consentimento. A protagonista, Hunter Conrad (Haley Bennett), não lava as mãos compulsivamente, mas encontra-se presa num mesmo ciclo de infelicidade.

Swallow

O poster do filme revela o rosto de Hunter polido quase à perfeição, sem marcas na face ou um cabelo fora do sítio. É desta forma que a personagem se apresenta durante quase a totalidade da longa-metragem. Hunter move-se e comporta-se como uma boneca de porcelana, com as suas roupas inspiradas nas décadas de 50 e 60, sempre de cores claras, cabelo penteado e enrolado com aprumo e uma voz inocente, quase infantil e ingénua.

No entanto, o marido, Richie Conrad (Austin Stowell), não nutre desta delicadeza e prudência de ser. Ao invés, mostra um sorriso amarelo e sem interesse à mulher quando esta tenta contar como foi o seu dia, como um pai atarefado sorri a uma criança que lhe tenta contar uma história pela qual não tem interesse. Hunter nem tem liberdade de escolha para plantar flores no jardim sem passar pela revisão do marido.

Ignorada, escrutinada e solitária, descobre que está grávida. Mas, mesmo aí, a atenção passa dela para a criança. Eventualmente, no meio de toda esta infelicidade, Hunter desenvolve uma compulsão, tal como a avó do guionista. No seu caso, engole objetos que não alimentos, um distúrbio mental chamado pica. Um berlinde rapidamente se transforma num pin, numa bateria, num alfinete, que a mulher expulsa na casa de banho e limpa cuidadosamente. Por fim, coloca-os em linha, ordeiramente organizados como a lembrança deste seu pequeno segredo, algo só seu, o seu pequeno ato de rebelião.

Swallow

Apesar de, para muitos, este ser considerado um filme de terror, não há jumpscares ou cenas sangrentas e grutescas. No entanto, quando o olhar etéreo e calmo de Hunter perpassa com curiosidade e desejo por objetos aguçados, instintivamente retraímo-nos pela antecipação do que irá acontecer.

Esta sensação de desconforto e falta de segurança é assegurada essencialmente pela imensidão do espaço e pelas cores contrastantes da cinematografia e da direção de arte. A casa de Hunter, rodeada por enormes janelas, revela pouca privacidade. O silêncio do espaço, que deveria ser um lar, aguça-nos o olhar, desprendendo-se da figura da mulher para o que a rodeia: o azul da camisa de cetim, o sofá vermelho, as cadeiras verdes. Tudo peças de um puzzle com um mesmo padrão que, ainda assim, não encaixam entre si.

Os únicos momentos de proximidade entre a personagem e a câmara ocorrem quando a protagonista está prestes a engolir um novo objeto. São estes os únicos momentos de intimidade que a personagem tem para si própria, onde realça, em última instância, a reação de contentamento quando o metal desliza pela sua garganta.

Swallow

O enredo acompanha de perto as experiências da personagem principal. Para alguns, pode ser considerado um slow burner. No entanto, a lenta mas consistente divulgação de informação apenas eleva o mistério que envolve o passado da mulher e o que poderá, eventualmente, ter levado à sua condição atual.

Saliento ainda a performance de Haley Bennett, responsável por trazer Hunter aos grandes ecrãs. A forma como se movimenta, quase a medo, como se a qualquer momento se pudesse partir, realça o desenvolvimento do caráter da personagem, a luta constante pela independência e a necessidade, ainda que inconsciente, de ganhar poder e controlo sobre o próprio corpo.

Swallow não é então um filme fácil “de engolir”. O abuso psicológico a que a protagonista é submetida, por outros e por si própria, é uma crítica social inerente às expectativas incutidas às mulheres e ao estigma em relação às doenças mentais. Ainda assim, esta trama merece ser vista e revista, analisando o sentido por detrás das suas críticas e dos pedidos de atenção para não subestimar quem aparenta viver a realidade ideal. Nunca sabemos o que se passa por detrás de portas alheias.