IC3PEAK é uma dupla russa, constituída pela vocalista Nastya Kreslina e o produtor Nikolay Kostylev. O grupo é caraterizado não só pelo estilo musical, mas também pelas mensagens e ações políticas contra a corrupção do governo russo.

O seu som contém muitas das caraterísticas básicas que se encontram em projetos de “Rap agressivo” (City Morgue, por exemplo), com a predominância do bass distorcido. Contudo, este duo não se fica por esta mera definição. Fundem elementos de Witch House – um “micro-género” da música Eletrónica que se estiliza com o oculto, Noise e experimentação industrial – e os vocais, por vezes, podem ser comparados a de uma “ópera macabra”.

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Projetos passados incorporaram, igualmente, música tradicional russa e abordagens a art-pop. Esta amálgama de sons faz de IC3PEAK um dos mais excecionais grupos a emergirem no mundo do Rap.

IC3PEAK fizeram até à data uma grande variedade de músicas excelentes, desde as mais melódicas até às que arrebentam com os meus auriculares. Todas repletas de sentimento e de uma produção exímia. Porém, várias faixas passam despercebidas ou, simplesmente, não têm a mesma presença musical que as restantes. O que faz com que os seus (curtos) álbuns se tornem inconsistentes. E esse sentimento manteve-se com este novo álbum До Свидания / Goodbye.

Apesar das várias controvérsias e ações da polícia e do governo russo contra o duo de Moscovo, nomeadamente proibir vários concertos na tour de 2018, eles continuam com o seu modus operandi e com a transmissão das mensagens politicamente carregadas. Este último realça-se com o sentimento militar que o principal single deste projeto, “Марш” (“Marching”), transpõe.

Posto de forma simplista, esta faixa é fenomenal. O início é marcado por sons que relembram o marchar de um exército e os vocais jocosos de Nastyas enchem a atmosfera de inquietação e incerteza. Este momento é, então, interrompido pelos sussurros caraterísticos da vocalista e pelo bass, doentio e implacável, repleto de distorção. Este som é ainda mais predominante na segunda parte da música, onde, figurativamente falando, “engole” todos os outros sons, ao distorcê-los à sua volta.

A faixa, no geral, segue a fórmula que muitas vezes é vista nos elementos mais agressivos dos álbuns de IC3PEAK com a conjugação dos sussurros e dos gritos quase demoníacos de fundo. Contudo, temos uma bela transição para uma parte mais suave. Nesta fase, destacam-se certos elementos de Witch House que se fundem com Art Pop e com os vocais assombrosos e, simultaneamente, angelicais. Um dos pontos altos de Goodbye, sem dúvida.

O próximo teaser lançado, “TRRST”, surpreendeu-me pela feature de Zillakami, membro do coletivo de Horror Rap/Trap Metal, City Morgue. Esta faixa foi tudo aquilo que eu estava à espera que fosse – o que não é mau. Agressiva desde o primeiro segundo, o bass icónico, os vocais estupendos e hipnotizantes. Muitas das letras de Goodbye são na língua materna de IC3PEAK, contudo esta tem instantes em que cantam (quero mais dizer gritam) em inglês.

É uma das partes que mais reflete o sentimento e ambiente político da Rússia atual. Nomeadamente, no refrão, Nastya delira com a sua mãe, ao perguntar porque é que chamam a vocalista de terrorista, se não fez nada de errado e o porquê de a quererem matar. A parte de Zillakami, embora curta, trouxe consigo aquilo que era esperado. Carregado de pura emoção raivosa e de injustiça, Zilla conta sobre o sentimento de revolução contra as forças superiores, da forma como estas forças tratam os ativistas – “(…) hang the activists (…)”.

A certo ponto, o próprio artista é enforcado e descreve o processo do acontecimento. Neste momento, da morte do ativista/Zilla, as forças opressoras olham para o morto e dizem “Problem is solved”. Execuções públicas eram algo predominante em regimes fascistas do passado, de forma a denegrir as tentativas de oposição e é esta a ideia que “TRRST” transpõe para o ouvinte. Tendo tudo em conta, é mais um single que eu ouvi bastante quando saiu e que me deixou com elevadas expectativas para o resto do projeto.

Mas como foi dito anteriormente, existem faixas que são um bocado esquecíveis e fracas. Apesar das minhas elevadas expectativas, sinto que não obtive uma experiência completa e totalmente desenvolvida.

Nada mudou relativamente aos álbuns anteriores, “Fairytale” e “Sweet Life”: o padrão manteve-se. O que não é inerentemente um ponto negativo, visto que todos eles têm das melhores músicas russas que ouvi na minha vida. Mas este padrão faz com que estes projetos, principalmente Goodbye, tomem apenas uma dimensão e as faixas que não nos “saltam ao ouvido” tornam-se meras amálgamas de sons, sem muita personalidade que os destaque.

O álbum tem uma boa faixa introdutória, “Dead Moon”. É instantaneamente um dos marcos mais caóticos – os vocais arrastados e finos relembram os The Body – do projeto em si. A coletânea de synths afiados e reverberados, dos kicks e dos tão adorados 808’s são pilares de excelência da produção de Nikolay.

Im Kissing Your Corpse”, segunda faixa do álbum é um trabalho decente, com os elementos de Witch House presentes, juntamente com melodias mais simples. Mais para a frente, entramos na área do Art Pop que se assemelha a grupos como Crystal Castles e Crim3s. É nestes momentos que eu sinto que poderia haver mais desenvolvimento na faixa, o sentimento de que “falta algo” mantém-se. Nada muito memorável ou impressionante.

A presença dos dois interlúdios – que totalizam cerca de 3 minutos – servem pouco propósito e não acrescentam muito valor ao álbum em si. Sem eles, provavelmente, teria uma melhor experiência com Goodbye.

As faixas seguintes, “It Doesn’t Care” e “I Have No Friends”, o mesmo se pode dizer, relativamente ao facto de estas serem um pouco vazias em termos de conteúdo sonoro. Há sempre algo que falha e que não nos deixa realizados. Isto (ou)viu-se ainda mais na penúltima faixa, que conta com a presença de Husky – e acabar o álbum com uma faixa fraca, conjugante com um dos desnecessários interlúdios nunca é algo positivo.

O álbum sobe no meu critério na segunda parte, nomeadamente com as faixas mais agressivas que foram faladas anteriormente. Aqui é onde temos o pico do som do duo e das suas ideias mais interessantes.

Este marco começa com a faixa “The Moscow Automobile Ring Road”. Esta tem uma distinta combinação de uma variedade de abordagens sonoras num curto período, acompanhado pelos belos vocais de Nastya. Temos uma outra presença inesperada, desta vez de Ghostemane, na faixa “Hole”. Para quem conhece o artista, já consegue imaginar o estilo que esta música tem. É, sem dúvida, uma das músicas mais agressivas e insanas do projeto inteiro. O bass distorcido que consome quaisquer auriculares, a melodia de piano que vai lado a lado com filmes de terror como o Psycho, a temática aterrorizadora que envolve o ouvinte e o sentimento entorpecente geral fazem de “Hole” um dos definitivos highlights de Goodbye.

Tendo tudo em conta, nada mudou em IC3PEAK com este álbum. O seu som, estilo e mensagens são conscientes, apesar de todas as controvérsias políticas, o que é algo a louvar. Contudo, não consigo dizer que Goodbye me surpreendeu.

Várias faixas não causam o impacto que precisam para se manterem ao nível elevado das outras, ou simplesmente, falta-lhes qualquer coisa que as destaque. Em Goodbye, temos das melhores músicas da carreira do dueto russo (“Marcha” e “TRRST”, por exemplo).

A produção continua excecional, a lírica afiada e “in-your-face” e os vocais tanto assombrosos como angelicais. Ainda tenho esperanças de que IC3PEAK lance um projeto que eu ame por inteiro. O material e o talento está lá – e em abundância! – mas, para já, IC3PEAK continua a não chegar ao seu verdadeiro potencial.