Sim, eu sei, escrevi normalidade entre aspas. Fi-lo porque, a meu ver, pensar que vamos regressar àquilo que vivíamos em fevereiro, sendo isso o que descreveria como normalidade, é uma ideia ingénua. A noção de que todos retornaremos ao nosso quotidiano usual depois do surto de Covid-19 é uma verdadeira utopia.

Apesar do Estado de Emergência não ter sido renovado e termos passado, assim, a um Estado de Calamidade na meia noite do dia 2 de maio, não devemos esperar que tudo mude da noite para o dia. Não só pelo facto de continuarem a existir restrições, regras e condições, mas também porque as vidas e a forma como as pessoas as encaram não poderá voltar a ser a mesma.

“Maior liberdade, maior responsabilidade”, foi um ditado com o qual cresci e o qual o primeiro-ministro António Costa usou para apelar à responsabilidade e ao dever cívico de cada cidadão português para permanecer em casa, sempre que possível, apesar do desconfinamento gradual. Contudo, somos humanos e, apesar do peso na consciência em relação ao outro e do medo que cada um sente por si mesmo e pelos seus entes queridos, a ânsia de sair é cada vez maior, dado o tempo de clausura.

No entanto, o primeiro-ministro referiu que o regresso à normalidade só será possível quando existir uma vacina. Mas a minha questão é: será que, mesmo após a descoberta da vacina ou tratamento, vai ser possível um retorno à tão aguardada normalidade? Sinceramente, penso que não. A situação pandémica chegou, para todo o mundo, de mãos dadas com muitas coisas que nos puseram a muitos a pensar e outros a trabalhar ainda mais. No entanto, a meu ver, aquilo que a Covid-19 nos trouxe, principalmente, foi uma forma diferente de encarar a “normalidade”.

O panorama atual serviu como uma lição de moral: “aproveita as pequenas coisas da vida e não tomes nada como garantido”. Porém, existe um grande inconveniente. Não vai ser hoje, nem amanhã, nem muito provavelmente daqui a dez anos que vamos conseguir ver o lado positivo do coronavírus. Por mais lições de moral que nos possa ter ensinado ou que venha a ensinar.

Um desse ensinamentos é, por exemplo, algo que somos capazes de observar diariamente, tanto através das nossas janelas como dos nossos ecrãs. A natureza está a curar-se. A pandemia demonstrou-nos que “somos nós o vírus que infeta o ambiente”. Uma frase que tenho ouvido recorrentemente, da qual não retiro a importância.Para além de ensinamentos e lições de moral, o confinamento forçado revelou-se um verdadeiro campo para estudos, nos quais a amostra utilizada pode ser quase global, visto que a maioria das pessoas, tirando quem tem de trabalhar, está encerrada em casa.

Estes estudos acabam por concluir todos o mesmo: com menos para fazer e com mais tempo em casa, existe uma maior procura de atividades que possam ser desempenhadas a partir do domicílio. Contudo, e exatamente pelo facto de se concluir facilmente o que se regista, é que não faz sentido e é desnecessária a realização deste tipo de trabalhos empíricos. Contra a nossa vontade, somos feitos de ratos de laboratório enquanto enlouquecemos em casa.

Casa… Essa palavra da qual agora o significado verifica-se cada vez mais abrangente. Revela-se agora um espaço bélico onde nos encontramos numa guerra entre se será um local de lazer ou de lavor. O trabalho entra-nos pela porta da frente dos nossos ecrãs e faz-nos vítimas das entregas a tempo. As pausas a que nos permitimos nunca são efetivamente intervalos, pois temos a cabeça no trabalho, e vice-versa.

Basta concluir que, apesar da ânsia de sair de casa e desta “luz ao fundo do túnel” chamada Estado de Calamidade, o regresso à normalidade não vai ser possível neste momento nem mesmo no futuro. Naturalmente porque é sabido que o vírus continua no ar e há um plano para tentar combater a possibilidade de se voltar a Estado de Emergência, mas não é esse o único pretexto.

As mentalidades mudaram e alteram-se face ao estado de crise. Olhando para as consequências  que a pandemia deixou e continuará a provocar, a mais significativa é o facto de morrerem pessoas. E isso não me afetou apenas a mim ou a Portugal, isso afetou o mundo inteiro. E, por essa razão, por mais que tenhamos a aprender e construir com a Covid-19, constata-se que o coronavírus tirou mais do que deu.