Por Este Rio Acima é o álbum de 1982 de Fausto. Baseado nos relatos de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, é parte da trilogia que inclui Crónicas da Terra Ardente e Em Busca das Montanhas Azuis.
São 16 faixas que fazem companhia por pouco mais de uma hora. O nome artístico do compositor e cantor português Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias embrulha no projeto tudo o que de tradicional a música portuguesa tem com um toque pessoal que o torna intemporal.
“É o mar que nos chama” abre o projeto. Remonta facilmente para tempos idos e o sopro confere um tom épico, de saudade, nostálgico e melancólico. É “apenas” instrumental mas cativa. Segue-se “O Barco Vai de Saída” e descreve a partida do cais da Alfama. Na despedida fala já de todas as dificuldades da viagem sob um instrumental que de triste nada tem.
Já “Porque não me vês” é triste e melancólica. Trata também a partida mas de uma forma mais romântica, talvez a partida vista por alguém que fica e vê a sua cara-metade embarcar numa perigosa aventura. A batida a fazer lembrar ritmos africanos – numa escala bem contida, devo dizer- aparece de forma tímida por volta dos 2 minutos e destaca-se de forma mais intensa na parte final da música.
“A Guerra É A Guerra” descreve a chegada e dá destaque de forma crítica à forma como era feita a colonização. “Escorre sangue o céu e a terra/ Ah pois por mais que seja santa/A guerra é a guerra” é a parte mais explícita desta canção.
O ritmo enérgico mantém-se em “De um miserável naufrágio que passamos”. Contrasta com a mensagem que é passada e, de alguma forma, complementa-o de forma simultânea. Não esperamos que num naufrágio as pessoas estejam a lamentar-se a elas mesmas – é preciso agir. A música canta isso mesmo.
“Como Um Sonho Acordado” quebra a energia. José Mário Branco e Sérgio Godinho colaboram nesta faixa. O jogo das vozes é, sem dúvida uma das partes mais interessantes da canção e contribui para um som mais épico enquanto descrevem o que passava pela mente de Fernão Mendes.
Segue-se “A Ilha” que nos fala aos ouvidos à vez e mantem-se num registo melancólico. Fausto está, ora a murmurar ao ouvido direito ora a cantar lições ao esquerdo. Os lamentos e as preces estão também presentes. “Quando As Vezes Ponho Diante Dos Olhos” encerra o álbum e, tal como “A Ilha”, viaja também da orelha esquerda à direita e parece-me soar mais épica por isso mesmo.
“A Voar Por Cima Das Águas” soa a Folclore antigo e ao Popular, por alguma razão que não sei explicar, mais do que as outras faixas. A batida é fácil e a letra remete para alguns dos símbolos da cultura portuguesa, o que faz com que soe a Portugal.
“Olha o Fado” é saudade e sorte dos navegadores portugueses. “O Cortejo Dos Penitentes”, por sua vez, é o culminar de todos os azares. Tal como os temas, também o instrumental de ambas as canções são contrastantes: a primeira soa mais airosa e leve, enquanto a segunda é pesada e mórbida de uma forma positiva e equilibrada.
As duas são separadas pela faixa que dá nome ao projeto e que se trata de mais um poema de amor bem escrito e tratado. “Por Este Rio Acima” fala da saudade e volta a um registo mais romântico. Canta tempos passados, as conquistas e faz referência à história de amor portuguesa mais conhecida.
“O Romance De Diogo Soares” tem sopro e é cantada por uma voz de mulher. De forma leve canta a história do navegador português. Fausto surge apenas quando o protagonista da história fala e na conclusão o que traz alguma dinâmica à obra. “Navegar, Navegar” volta a um registo mais popular e fala do regresso a Lisboa. A batida repetitiva e facilmente percebida transporta-nos para as festas populares.
“O Que A Vida Me Deu” volta numa nota de nostalgia e fado. A simples combinação voz/ guitarra é o que baste para dar corpo e alma a este poema. “Lembra-Me um Sonho Lindo” fala do desejo de forma lírica e inesperada. A percussão rápida e de leve no fundo dá mais corpo à música, assim como o sopro que confere espontaneidade. É certamente uma das faixas que prende o ouvido mais facilmente e das que nos perseguem durante dias.
O projeto termina com “Quando As Vezes Ponho Diante Dos Olhos”. Os 7 minutos finais são o resumo e a conclusão de todos os episódios e partes desta história. É uma espécie de retrospetiva de Fernão Mendes sobre tudo o que passou na altura de descobridor. Conta com mais vozes do que a de Fausto e explica todo o conceito do projeto de forma eximia.
Como a obra em que se baseia, Por Este Rio Acima é um álbum que enaltece a cultura portuguesa enquanto também a crítica. A parte do enaltecimento passa pela utilização dos instrumentos portugueses e pelo registo Popular.
A parte da crítica é em parte semelhante à de Peregrinação. Não há dúvida que é precisa uma quantidade de coragem desesperante para nos lançarmos ao mar à descoberta do desconhecido. Da mesma forma como também não há dúvida de que a presença portuguesa no oriente não foi a mais cor-de-rosa e humana das prestações. As motivações que levaram muitos a embarcar nesta aventura é também posta em causa.
Artista: Fausto
Álbum: Por Este Rio Acima
Editora: Sony Music
Data de lançamento: 1982