Emma. é a mais recente adaptação da obra de Jane Austen com o mesmo nome. O filme estreou em abril em Portugal e está incrivelmente trabalhado, misturando sátira social, intriga romântica e política de género infinitamente interpretável.

A longa-metragem segue Emma Woodhouse (Anya Taylor-Joy), uma jovem “bonita, inteligente e rica” que tem um talento especial para se intrometer na vida romântica dos amigos. A narrativa começa no dia do casamento entre seus amigos, os Weston, que a própria ajudou a orquestrar. A protagonista tenta também arranjar um companheiro para a jovem Harriet Smith (Mia Goth), a sua mais recente acompanhante. Embora não tenha sucesso de imediato com o Sr. Elton, continua empenhada. Quanto a si, está interessada em Frank Churchill (Callum Turner), um homem de quem muito se ouve falar na pequena cidade, mas que pouco aparece.

Emma

A interferência e atitude de Emma face à vida dos amigos é constantemente reprovada por George Knightley (Johnny Flynn), que circula a amiga de infância com um ar de adoração e exasperação. A intromissão da rapariga acaba por criar uma situação difícil, que envolve não apenas os seus sentimentos, mas também os dos seus amigos. A protagonista vai ter então que descobrir uma maneira de resolvê-la, para assegurar que ninguém saia magoado e todos encontrem amor, como ela tanto deseja.

A comédia da história e sua ousadia narrativa vem do abismo, muitas vezes absurdo, entre o que Emma acha que sabe (e acredita que sabe tudo) e o que ela tão profundamente não entende, incluindo o coração das pessoas à sua volta. A abordagem de Autumn de Wilde desta história de atividade e interação social frenética e complicada é elegante e satírica. O humor é subtil, rápido e pode ser facilmente perdido, se não prestarmos atenção ao personagem certo no momento certo.

O charme é uma das qualidades mais difíceis de capturar. Mas há um charme genuíno aqui. As performances são uniformemente excelentes, com cada ator a dar personalidade e carisma aos seus personagens. Particularmente, a protagonista incita em nós um misto de opiniões, pela sua complexidade e semelhança a algo que vemos em nós mesmos.

Emma

O sucesso de qualquer adaptação de Austen depende muito dos dois protagonistas românticos, e Anya Taylor-Joy e Johnny Flynn têm a química necessária para conquistar os espectadores. Muitas das emoções, pensamentos e até decisões são percetíveis através das expressões faciais dos personagens, particularmente de Emma. A Anya Taylor-Joy seria capaz de interpretar a mesma personagem num filme mudo, porque aquilo que passa para o outro lado do ecrã está maioritariamente no seu olhar e face. Já o ator transmite uma aura confiável, ao mesmo tempo que misteriosa, que nos faz rever nas suas atitudes em relação a Emma.

Como designer de produção, Kave Quinn evoca um ambiente esbanjador em que a possibilidade de pisar lama em enclaves enclausurados permanece uma ameaça percebida. A figurinista, Alexandra Byrne, veste o elenco numa série de colarinhos desconfortavelmente altos e os chapéus que adornam a cabeça das mulheres parecem pássaros gigantes. Tudo isto resulta num retrato da sociedade presunçosa inglesa do século XIX, através de cores e texturas.

Em Emma., Autumn de Wilde viu claramente uma oportunidade para o expressionismo elevado. É notória a influência da sua carreira como fotógrafa e diretora de videoclipes e curtas-metragens. Esta é a sua primeira longa-metragem, que chega com uma visão e estilo arrojados, cores e simetrias que levam a questionar se o filme não foi realizado por Wes Anderson.

Emma

Mas a produção também tem alguns problemas. O inicio é lento e um pouco confuso para aqueles que não estão familiarizados com a obra de Jane Austen. Os comentários e passagens cómicas são rápidos e facilmente perdidos ou impercetíveis. Há ainda quem repare que o estilo satírico com que a história foi abordada pode ter tirado alguma da essência da obra original, com momentos um tanto humorísticos a interromperem cenas sentimentais.

Ainda assim, Emma. é sem dúvida uma das melhores entre tantas adaptações da obra. Uma que brilha, ao mesmo tempo que peca, pela originalidade e audácia com que é abordado. Como em todas a obras de Jane Austen, a contemporaneidade é garantida e conseguimos sempre identificar-nos com traços da história. Seja pela narrativa ou pela cinematografia, esta é uma estreia que merece ser vista.