Inspirado no livro com o mesmo nome, Os Willoughby apresenta-se como um filme de animação computadorizada de comédia. No entanto, corresponde a um tipo de animação e uma escolha humorística que não vai agradar a gregos e troianos. Não aconselho a crianças.
“Se adoram histórias sobre famílias que se mantêm unidas, que se amam nos bons e nos maus momentos e finais felizes… este filme não é para vocês”. Esta é a premissa do novo filme da Netflix e é nada mais do que a verdade.
A história é apresentada por um narrador, mas não um narrador qualquer. Num universo de pessoas animadas, surge um gato sarcástico. Este, graças à sua condição de rafeiro, teve já a oportunidade de ver o mundo com outros olhos. Esta é talvez a primeira crítica do filme, a incapacidade humana de relativização e consequente comodismo com uma visão estereotipada das coisas. Neste caso, o tema é a família.
O hilariante gato narrador presenteia o público, acompanhado de ilustrações cómicas, com os diferentes tipos de agregados familiares. Entre “famílias felizes, famílias solidárias, famílias funcionais”, o narrador admite que “as melhores histórias estão sempre nas janelas para onde ninguém olha”.
A narrativa encontra-se escondida do mundo moderno, os Willoughby. Esta família é possivelmente a família mais bombástica de toda a história da humanidade. Consegue desmistificar, por entre alguma desconfiança e meios sorrisos, os próprios pelos faciais femininos. Como não poderia deixar de ser, o bigode corresponde ao maior simbolismo de conhecimento e sucesso. Mas não um bigode qualquer, aqui o tamanho importa e quanto maior melhor.
A família Willoughby é das mais disfuncionais que já vi. Mas se calhar nunca prestei atenção às janelas certas. Por exemplo, após o nascimento de Tim, o filho primogénito, o pai retira-o do quarto e profere “eu sou o seu pai e aquela mulher doce que o insultou com o seu nascimento grosseiro é a sua mãe. Se precisar de amor, por favor, procure-o noutro lado”.
A partir da primeira intervenção do pai de família, conseguimos logo perceber que este é um filme que não se vai privar de imagens chocantes e, acima de tudo, vai levar tudo ao extremo, como uma caricatura. Além disso, “o sonho de um mundo sem pais”, uma preposição repetida no mundo cinematográfico, parece agora imperativa.
Um dos aspetos surpreendestes desta longa-metragem são os “mini- einsteins”, os irmãos mais novos de Tim. Os dois gémeos, apesar de arrepiantes, são os criadores de engenhocas brilhantes, como um elevador capaz de percorrer toda a casa ou até mesmo uma catapulta humana.
Outro aspeto interessante, e que talvez passe despercebido, é a constante desconstrução do papel feminino e masculino instituído na sociedade. Muitas vezes e durante muito tempo, as mulheres eram vistas como pouco aventureiras, responsáveis por trabalhos específicos. Por sua vez, os homens tinham de apresentar uma postura máscula e, principalmente, longe dos tons pastel. A babysitter Linda e o comandante Melanoff permitem desmistificar algumas destas questões.
Pelas entrelinhas adentro, Os Willoughby permite ainda, de forma subtil, explicar como uma falha na comunicação pode levar a mal entendidos ou a consequências reais. Os conselhos ficam: não ouvir as conversas dos outros e não tirar conclusões sobre a situação sem contexto prévio. A melhor solução é comunicar.
No entanto, e como seria de esperar, a maior das mensagens gira em torno do contexto familiar. Prende-se na capacidade de reconhecermos que todas as famílias têm os seus problemas, nos quais todos os elementos têm uma mãozinha. De qualquer das formas, podem ser construídas ou reconstruídas em busca do melhor. A segunda mensagem aborda as falhas nos sistemas sociais, especialmente no Serviço de Órfãos, que leva a que as crianças se encontrem “sozinhas, separadas, perdidas”, depositadas onde há espaço e não num local com condições previamente salvaguardadas.
A animação do filme causa estranheza. Por entre o sombrio argumento, as imagens são extremamente coloridas, por vezes até berrantes. Para além disso, a construção das personagens assemelha-se à da Família Adams (2019). Uma semelhança obscura e confusa. De qualquer forma, não se pode negar a atenção aos detalhes: paredes recheadas de quadros, estátuas espalhadas pelos quartos, texturas impressionantemente reais, entre outros.
A produção é ainda recheada com a participação de celebridades de renome que dão voz às diferentes personagens. Destacam-se Orville Forte, criador e elemento pertencente ao sitcom The Last Man on Earth, Maya Rudolph, Alessia Cara, Terry Crews e Ricky Gervais.
Apesar de todas as críticas, disfarçadas com palhaçadas, mensagens subliminares e de se tratar de um filme de animação, gostava de referir novamente que Os Willoughby não é indicado para crianças. Algum do conteúdo é agressivo e, principalmente, contém conteúdo sexual semi-explícito. Para além disso, é uma longa-metragem com um humor muito característico, pelo que não é para tudo e todos.
Título Original: The Willoughbys
Direção: Kris Pearn, Cory Evans, Rob Lodermeier
Argumento: Kris Pearn, Mark Stanleigh
Elenco: Orville Willis Forte IV, Maya Rudolph, Alessia Cara
EUA
2020