A Netflix dedicou um pouco da sua produção de 2020 a Sergio. O filme aproxima-nos minuciosamente da vida e do trabalho de Sérgio Vieira de Mello que, apesar de nos ter abandonado cedo, vive na esperança de muitos para um mundo melhor.
Para aqueles que não o conhecem, Sérgio Vieira de Mello é um nome que passou pela simples função de diplomata. Contudo, a diplomacia pode ser um caminho que, para pessoas como o brasileiro, abre portas a algo que os transcende. Para além de diplomata, fez parte da ONU durante 34 anos, chegando a ser Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos. Muitos previam que Sérgio sucederia a Kofi Annan no cargo de Secretário-Geral organização. Porém, a realidade de cantos do mundo que o procurava mudar impediu-o dessa oportunidade.
Sergio procura detalhadamente inserir o público na vida de Sérgio Vieira de Mello, desde as suas tentativas de negociar a paz no Kosovo, até à luta pela independência de Timor-Leste. Ainda que implicitamente, o filme delineia a busca do brasileiro pela credibilização de uma organização que, por vezes, falha nas suas responsabilidades.
O filme transporta-nos para 2003, mas sem deixar de nos contar todos os momentos que o antecederam, não apenas da sua vida profissional, mas também da sua vida pessoal. Carolina Larriera, economista argentina e também membro da ONU, foi a pessoa a quem Sérgio deixou todo o seu amor. A personagem foi representada por Ana de Armas, que se entregou ao papel de mulher sonhadora que Carolina era. A relação amorosa de ambos é perfeitamente retratada na longa-metragem, num jogo cronológico de imagens.
Wagner Moura, já nosso conhecido por interpretar Pablo Escobar em Narcos (2015-2017), recuperou o seu estado físico natural para interpretar o elegante Sérgio Vieira de Mello. O ator entregou-se magnificamente à personalidade de um homem que aspirava a ideias capazes de mudar o lado cruel do ser humano. Apesar de não ter nascido no Rio de Janeiro, como o seu personagem, o intérprete descreve a cidade brasileira com a paixão e a admiração que Sérgio sentia.
A realização de Greg Baker capta a beleza natural da praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, das florestas húmidas mergulhadas no clima tropical de Timor-Leste e do ar seco que vagueia pelo Iraque. Com Sergio, os nossos sentidos são postos à prova e também se associam, ainda que inconscientemente, à nossa capacidade emocional.
Foi embrulhado nesse ar seco e na violência de Bagdade que Sérgio Vieira de Mello faleceu por baixo de escombros, em 2003. Após uma explosão orquestrada por Abu Musab Al-Zarqawi, líder da Al Qaeda, o mundo perdeu um homem que se agarrava a tudo aquilo que no ser humano é genuíno. Por vezes, olhamos para estas regiões de conflito como algo suficientemente distante para a nossa indiferença e desdém. É essa incapacidade de olhar nos olhos as realidades que em tudo diferem da nossa que prolonga o problema. Sérgio foi, sem dúvida, um escudo para pessoas que desesperadamente se agarram a essa mesma esperança que o alimentava.
“A minha mensagem é simples. Nunca se esqueçam, os verdadeiros desafios e recompensas de servir as Nações Unidas estão no terreno, onde pessoas sofrem e precisam de nós”. Estas foram as palavras de Sérgio Vieira de Mello num vídeo de boas-vindas aos novos funcionários da ONU, em 2002. Após a sua morte, as Nações Unidas retiraram as suas tropas da região. Em resultado da ausência da organização, o Iraque entrou numa longa guerra-civil. Ficaremos para sempre na dúvida da possibilidade de uma solução pacífica, caso Sérgio Vieira de Mello estivesse vivo.