Acima de tudo, liberdade. Acima de todos, saber e ser quem somos, sem receios. Unorthodox, baseada no livro de Deborah Feldman, não é um “não” ao berço, é um “não” a seguir a corrente. A série estreou a 26 de março, precisamente na época em que percebemos o que é estar acorrentado e subjugado a algo maior que nós.

Já vi esta série há quase dois meses e, ao escrever esta crítica, senti que não precisava de a rever. A marca é tanta que parece intocável. Inicialmente, assisti porque reparei que tinha apenas quatro episódios e é isso que se pede hoje em dia: uma boa história em pouco tempo. Rapidez vá, para não variar.Todavia, sem me aperceber, encontrei uma história bela, magnífica e revitalizadora. E melhor: acaba quando tem de acabar, não se prolonga, não se inventam teias. É concisa e altamente apaixonante.

Unorthodox

Unorthodox é uma introdução minuciosa à cultura da comunidade Satmar, de Williamsburg, em Brooklyn, que vive profundamente marcada pela Segunda Guerra Mundial. É de arrepiar quando descobrimos que uma das suas particularidades é a derecuperar as 6 milhões de vidas judias perdidas na guerra. Por isso, as mulheres são máquinas de reprodução. Esther Shapiro, ou Esty, vive neste meio, mas não se enquadra e tal leva-a a fugir clandestinamente para Berlim, cidade também marcada pelo Holocausto.

A série é uma sinagoga perfeitamente erguida em plena cidade de Nova York. Trata-se de um mosaico que, por cada vez que a luz o atravessa, ganha mais brilho, mais autenticidade, mais pormenores irresistíveis. Esty é um desenho com cores fora do traço, comummente dito mal pintado, mas perfeitamente bem realizado, porque essas rebeldias são a individualidade, a coragem e a liberdade que todos procuramos, porém temos medo de pisar o risco.

Há momentos que me arrepiam só de me lembrar deles, como os olhares tímidos entre Esty e Yanky, que nem se conheciam e já estavam noivos, a jovem a pintar os lábios de vermelho, essa cor que é tão símbolo de confiança, e toda a emoção, entre lágrimas e sorrisos rasgados, a rapar o cabelo. O cabelo, para mim, é um dos maiores luxos e vaidades que temos, a maior moldura de nós próprios. Desta forma, é motivador e bonito ver a protagonista tirar a peruca no lago e andar sem ela e sem vergonha pelas ruas de Berlim.

Unorthodox

Nada disto seria possível sem as incríveis representaçõesde todo o elenco, em particular de Shira Haas e de Amit Rahav. Para além disso, os cenários arrepiantes, como o do casamento, o contraste entre Nova Iorque, futurista e idealista, e a roupa antiquada de um povo parado no tempo distinguem-se por entre os demais. E, por lá, falam ídiche.

Não sejamos etnocêntricos, a série não é uma crítica à religião. Há quem dentro daquela comunidade seja feliz e não os podemos julgar. Feita a ressalva, Unorthodox é tão inspiradora, genuína, diferente e colorida que é impossível ficar indiferente. É um grito de coragem, é a prova de que nenhum obstáculo é grande o suficiente quando sabemos que estamos em primeiro lugar, acima de tudo e de todos. Dá a conhecer a história de uma cultura e, ao mesmo tempo,é uma caminhada de auto-conhecimento e de superação, de que nós decidimos o rumo da nossa vida.