Sem certezas do que o futuro nos reserva, olho para o presente com um otimismo contínuo. Apesar desta paragem brusca nas nossas vidas, a Covid-19 fez-me dar um outro sentido ao aqui, ao agora e ao próximo.

No início de março já só pensava na melhor altura do ano, para mim. Já só pensava na semana do Enterro da Gata e na quantidade de coisas que queria realizar no verão, porque previa um ano incrível. Já sentia o peso e a responsabilidade do segundo semestre nas costas, mas mal eu sabia que tanta coisa ia mudar tão repentinamente como mudou.

Não sei bem o que chamar aos meus dias desde 9 de março, altura em que tive de me fechar em casa. Talvez uma rotina improvisada, já que o ser humano tem a grande vantagem de se conseguir adaptar a tudo. Lembro-me perfeitamente de, nas últimas semanas antes de entrar em confinamento, me queixar da minha rotina. De ter de fazer viagens longas, de ter de estar sempre atenta às horas e de me queixar de não ter tempo para nada. Andava a um ritmo alucinante, sem me aperceber. Penso que todos andávamos, sem notarmos, porque o mundo assim o permitia e nós assim vivíamos, a tentar fazer 1001 coisas num dia que apenas tem 24 horas.

O que o Coronavírus me tirou foi a liberdade de poder estar com quem eu quisesse, onde quisesse e quando eu quisesse, sem restrições algumas, algo que admito que já dava por garantido. No entanto, acredito que a Covid-19 não nos trouxe só coisas más. Parece um paradoxo tentar encontrar alguma luz no meio da escuridão, mas é verdade, pelo menos para mim. Aliás, todos nós damos (quase) tudo por garantido, e acho que toda esta situação fez-nos repensar isso e ver as coisas de um outro modo.

De tudo o que o Coronavírus nos tirou, esse novo olhar sobre as coisas deu-nos um período de calmaria, de autoconhecimento, autorreflexão e tempo para o outro. Fez-nos pensar as coisas de forma diferente e ver que nada está apenas nas nossas mãos, nem nunca vai estar. Percebemos que tudo o que temos e conquistamos não está garantido e que nada é garantido. E, especialmente, fez-nos dar valor às relações humanas, que muitas vezes desvalorizamos e damos como adquiridas.

Acordo com o pensamento de que tudo vai ficar bem. A conexão com o mundo é incrível, tal como a nossa capacidade de nos adaptarmos. Este período permitiu-me fazer coisas que antes seriam impensáveis. Dedico-me agora a coisas que sempre gostei, mas que nunca tive muito tempo para as pôr em prática.

Embora rotinas antigas ainda façam parte desta nova realidade, pois nem tudo se tornou descartável com a vinda do vírus, agora vivo coisas que nunca experienciei, coisas simples como pensar o quão bonito é sentir a natureza perto de nós. Residente numa zona urbana, era praticamente impossível conseguir ouvir o chilrear dos pássaros e, agora, é uma constante. O dia é preenchido com essa bonita melodia, enquanto os raios de sol atravessam as janelas e os pássaros pousam nas varandas e já não se assustam com a nossa presença. Olho agora para a vida com outro sentido. Com a ideia de que vou viver com este vírus durante muito tempo, mas que não posso deixá-lo viver a minha vida.