Multiforme. Da ilustração e do design de moda à música, Annie Hamilton é expressão da comunicação da arte. Sobre o mesmo nome, o novo álbum da artista traz-nos meia-dúzia das páginas do seu diário. Fragilidade, dor e superação.

O desvanecer de um pensamento e o enfraquecer gradual daquilo que acreditávamos ser aparentam representar dois conceitos distantes entre si. No entanto, a não libertação do primeiro pode induzir à destruição do ser. “Fade” conta-nos como é sentir-nos nesse estágio, nessa relação de causa-efeito. “I think i’m growing stones inside my body / The room is spinning now it’s 2am / I can’t see straight but I don’t wanna remember / You’re in my mind again”.

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As premissas anteriormente apresentadas sugerem algo outrora nunca explorado, querem adivinhar? O pensamento noutro alguém, numa relação passada. Assim, como que uma assombração, descobrimos o motivo de tal disposição. Para além disso, Annie Hamilton refere o típico conselho da passagem do tempo – a passagem do tempo como cura do sentimento. Aparentemente, esse ainda não surtiu efeito, “they say that it will fade, but i’m still waiting”.

“Fade” apresenta pouco mais de três minutos. Por entre suaves e místicas melodias, um crescendo instrumental e um ganho de força vocal, o single permite que entremos num mundo submerso de tentativa de libertação. O videoclipe da música corrobora a ideia, Annie Hamilton despe-se dos seus problemas. No entanto, a lembrança surge, as marcas intensificam-se e o corpo é (en)coberto.

Memórias de inverno, nostalgia e recusa de regresso. “Kitchen” apresenta-nos uma sequência de armadilhas mentais, nas quais todos nós já caímos quando estamos sós. Esse tumulto é representado pelo ritmo acelerado da música. Hamilton conta-nos a lembrança de um relacionamento que se desmoronou aos poucos e poucos. “You stayed awake with me / ‘Til the walls started melting faster than the light moved / Faster than the time flew, tighter than I held you”.

“My New Tattooed Chameleon” alberga na denominação duas realidades, aparentemente, antagónicas – uma tatuagem, que é, nada mais nada menos, do que uma representação permanente no corpo de alguém; e um camaleão, conhecido pela mutabilidade. Apesar de variadas incertezas, creio que a mensagem se transcreve em: o corpo, a carne, o físico sofre leves mudanças. No entanto, a fisionomia mantém-se, na maioria das vezes, constante ao longo dos anos. Por sua vez, o nosso espírito, as nossas vontades e motivações sofrem alterações.

Daí, Annie Hamilton questionar  I know sometimes you think you might still love me / but do you like my new tattooed chameleon?”. Ou seja, será que reparaste que mudei? Será que não amas apenas aquilo que conheceste de mim, aquilo que outrora fui? A artista refere ainda que este reconhecimento de transformação não é apenas difícil para quem a assiste, também o é para a própria pessoa. Apesar de semelhanças, em circunstâncias antes normais, sentimo-nos agora como “an alien”.

“Californian Carpark Concrete”, por estranho que possa parecer, corresponde a uma música de superação. Quando “doubts settle in like flies to a carcass”, a artista afirma ser transportada para esse espaço. Ali, sente uma dualidade de sentimentos que, perante uma visão mais alargada do mundo, se concentram no lado positivo – a capacidade de abandono de medos e a perseverança. O videoclipe da música leva-nos na travessia de Annie, culminando num mergulho, num tempo de reflexão (“when i’m underwater, baby it’s like time stands still”) e de renascimento.

Contrariamente a “Fade”, “Oxygen” consegue cumprir o propósito de esquecimento com a passagem do tempo. O elemento diferenciador é claro. Por entre algum arrependimento, surge um grande alívio no término do relacionamento – “I try to recall the shape of it all / but the lines seem to fade into air the longer i stare”. De qualquer das formas, a artista reconhece que as cores são tão vibrantes como antes, subentendendo que uma nova história poderá surgir.

De acordo com a artista, “Panic” corresponde a “uma ode à insegurança paralítica, emoldurada num loop de quatro barras de repetitiva claustrofobia sónica”. Tal como a ansiedade, cria um espaço de sufoco e aflição. No entanto, Annie Hamilton indica que o objetivo deste single corresponde a uma tentativa de mostrar como  a ansiedade pode conduzir a  processos criativos.

Ao longo do álbum, vamo-nos apercebendo que há um tema comum: histórias de amor e tudo aquilo que delas surtiu. Sabores e dissabores, metamorfoses e compreensão da preservação de memórias e maneiras de ser. Annie Hamilton expõe a nu aquilo que se esconde. Assim, estimula a coragem no diálogo e expressão.