Da 5 Bloods: para além da ficção

A voz de Spike Lee é uma das mais relevantes e poderosas da indústria de Hollywood. Com Da 5 Bloods, o cineasta entrega um projeto ambicioso, marcante e extremamente relevante nos dias que correm, diante do recente e brutal assassinato de George Floyd e das manifestações contra o racismo. O filme é um grito explosivo e eloquente da angústia negra.

A trama exibe o regresso de veteranos norte americanos ao Vietnam. Os afro-americanos Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis) são antigos combatentes da guerra que regressam ao terreno para procurar o corpo do antigo companheiro, Stormin Norman (Chadwick Boseman), e o ouro que foi escondido pelo grupo durante o confronto. Um dos pontos mais explorados em filmes de guerra é o stress pós-traumático e Da 5 Bloods não é exceção. Todos no grupo apresentam marcas evidentes de transtornos causados pelo Vietnam.

O que mais se destaca ao longo de Da 5 Bloods é a presença de personagens impactantes. Qualquer um se rende às brilhantes prestações de todo o elenco, que consegue prender o espectador e fazê-lo sentir que está a acompanhar as personagens ao longo da jornada.

Os holofotes estão direcionados para Delroy Lindo. Perturbado, o homem vive em constante luta com os sentimentos e traumas, presentes desde a guerra. Dois monólogos de Paul sobressaem pelo peso emocional que carregam. O plano centrado no rosto do personagem é o ideal para se transmitir o horror e a sensação de a guerra ainda não ter terminado sentidos pela figura masculina. Aliás, Delroy já se posiciona como um dos possíveis candidatos ao Óscar.

Tal não implica a desvalorização das restantes personagens, muito pelo contrário, uma personagem nunca conseguiria brilhar sem as restantes. Norm Lewis, Clarke Peters, e  Isiah Whitlock Jr., ao lado de Lindo, revelam uma química impressionante. Todos dão vida a personagens extremamente reais, bastante bem construídas e que revelam uma entrega fascinante de cada um dos atores.

A montagem da longa-metragem é algo essencial ao longo da narrativa. Arquivos de época, discursos de Angela Davis e Muhammad Ali contextualizam a ação e fazem o espectador entrar no mundo de cada indivíduo retratado. A forma como se oscila entre flashbacks da guerra, que apresentam outro ratio, e as cenas presentes dá um toque de elegância ao resultado final. O tratamento da cor também atua neste campo, ao criar diferentes ambientes consoante a época retratada.

A escolha do compositor Terence Blanchard para a banda sonora é sensata. Recorre ao álbum “What’s Going On”, de Marvin Gaye, repleto de faixas que retratam a violência, para criar um clima sobrecarregado ou amenizar a tensão dos momentos chave.

Da 5 Bloods é um filme extremamente atual. Semanas após a morte de George Floyd, é obvio que muitas coisas não mudaram desde os tempos retratados na produção da Netflix. A poderosa trama de Spike Lee homenageia as lutas passadas, as presentes e apela a que não se repitam os erros já cometidos. É uma narrativa repleta de simbolismos, que invade o espectador de sentimentos de inquietude perante uma ficção que trespassa o ecrã.