Todos temos noção dos impactos que a pandemia do coronavírus tem causado em Portugal e no mundo. Ao nível do turismo, da economia e da cultura, pede-se aos portugueses que, durante esta crise, passem a investir mais e a dar mais valor ao que é nacional. No cinema, onde o português sempre foi mais posto de parte, o apelo deve ser o mesmo.

O cinema e a televisão portuguesa têm vindo a expandir-se, é verdade. Em 2019, tivemos um filme português, A Herdade, de Tiago Guedes, a concorrer ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e um outro, Klaus, a concorrer ao Óscar de Melhor Filme de Animação, com os portugueses Sérgio Martins e Edgar Martins na equipa de produção. No entanto, e infelizmente, ainda se dá mais valor ao trabalho português no estrangeiro do que dentro do próprio país.

O caminho pode ser feito, “caminhando” e investindo. Não vai há muito tempo que a esmagadora maioria das telenovelas que os portugueses consumiam eram as brasileiras e que as nacionais eram produzidas e distribuídas de forma residual. O crescimento do investimento para incluir e dar visibilidade a produtos nacionais no ramo fez com que, em poucos anos, se conquistasse o público para os conteúdos televisivos portugueses.

O paradigma do cinema e das séries também pode ser mudado. No entanto, para isso, é também preciso mudar mentalidades e formas de investimento. E falo em investimento de qualidade e que realmente acrescente alguma coisa ao que é o cinema e o entretenimento nacional. Não é com produções “recicladas”, adaptações e cópias de programas de entretenimento estrangeiros que se vai chegar a algum lugar. É necessário investir em conteúdo original e de qualidade, que seja uma lufada de ar fresco em cima do tanto mais do mesmo que já existe.

Por exemplo, a série A Espia chegou à RTP no dia 8 de abril. Com uma história completamente portuguesa e um elenco de luxo português com reconhecimento internacional – como Daniela Ruah, Diogo Morgado e Maria João Bastos – foi talvez o maior (e melhor) investimento em produções nacionais nos últimos anos. Apesar de não ter somado o número de audiências que seria expectável, por não ter uma vertente tão comercial nem estar a ser distribuída por um canal líder de audiências, a série tem tudo para ser um grande passo no reconhecimento dos produtos portugueses pelo público português.

O filme Variações também foi um sucesso. A produção de João Maia bateu o recorde a nível nacional, tornando-se o filme mais visto de 2019, visto até novembro por quase 278 mil pessoas, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística. Para além disso, foi também candidato a melhor filme ibero-americano nos Prémios Arial. Além fronteiras também marcou pontos de reconhecimento.

O que falta então, a partir de agora, é mudar mentalidades. É preciso reconhecer que as produções nacionais também são boas, e trabalhos como A Espia e A Herdade só comprovam isso. Não é por acaso que a longa-metragem de Tiago Guedes continua a ser falada e a dar cartas quase um ano depois da sua estreia. Aliás, A Herdade viu os seus direitos comprados pela HBO Portugal. E não seria de surpreender que o mesmo acontecesse com A Espia.

A Espanha também está a dar cartas nesta luta e, eu diria, já a venceu, ou está perto disso, pelo que o sucesso de La Casa de Papel e Elite comprovam isso. E Portugal foi só inteligente ao aliar-se ao país vizinho para realizar Auga Seca, uma produção emitida pela RTP e que já foi comprada pela HBO Portugal e pela HBO Espanha. Esta foi também a primeira série nacional a ser catalogada na plataforma de streaming. Agora com A Herdade e, possivelmente, A Espia, a lista começa a crescer, em quantidade e qualidade.

No entanto, na Espanha há um fator chave que falta a Portugal: a consciência da qualidade dos produtos nacionais. Agora, com o crescente investimento e a presença destes produtos em plataformas de streaming, diria que já não há desculpa. É preciso desviar a atenção dos conteúdos dominantes de entretenimento, que não passam de cópias de má qualidade do que já foi feito, e pôr os olhos no trabalho e esforço que se está a fazer pelos produtos nacionais de qualidade.

Porque mais audiências fazem aumentar a vontade de investir e quanto mais se investir, mais conteúdos de qualidade começam a surgir. E, se isto se tornar um ciclo, o cinema e a televisão portuguesa verão um novo tempo, de produtos que honram o esforço nacional e podem chegar, sem dúvida alguma, a ultrapassar muitas produções internacionais.