Pedro Morgado, médico psiquiatra, vice-presidente e professor da Escola de Medicina da UMinho explica as razões pelas quais está contra esta decisão.
Pela primeira vez em vários anos, o Governo prevê que as vagas nos cursos de Medicina em Portugal possam aumentar até 15% no ano letivo 2020/2021, correspondendo a mais de 200 entradas. No entanto, apesar da decisão estar ao critério de cada instituição, as faculdades de Medicina já se mostraram contra o aumento da oferta formativa, voltando a afirmar que não há necessidade de formar mais médicos no nosso país.
Ao contrário do que foi anunciado no dia 31 de maio pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em que o aumento das vagas iria remeter apenas para as universidades de Coimbra, do Minho e da Madeira, o despacho publicado no Diário da República inclui ainda as quatro faculdades de Medicina de Lisboa e do Porto. Manuel Heitor defende que esta decisão foi influenciada pela Covid-19, sublinhado que a pandemia fez com que o Governo percebesse “para o papel crítico que o conhecimento tem” na forma como se poderá “aprender a viver e a conviver com as pandemias no futuro”.
O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) já se manifestou contra este decreto, alegando ter sido “sistematicamente ignorado” ao longo desta decisão do Governo. O CEMP também menciona que, no dia 29 de maio, enviou uma carta aberta a Manuel Heitor, mostrando que o aumento do número de alunos “não equivale ao aumento do número de médicos futuros, sobretudo especialistas”.
José Diogo Soares esclarece ao ComUM que o Núcleo de Estudantes de Medicina da Universidade do Minho (NEMUM) já contactou a presidência da Escola de Medicina, cuja intenção é de não aumentar o número de vagas. O presidente do NEMUM afirma que a UMinho tem “um dos cursos de Medicina com menor número de estudantes” e que isso “garante uma maior qualidade da formação e um maior número de oportunidades, comprovado, por exemplo, pela melhor média de classificações, a nível nacional, na Prova Nacional de Acesso à Formação Especializada”.
Em declarações ao ComUM, Pedro Morgado refere que “há milhares de médicos a aguardar a abertura de uma vaga para poder completar a especialidade”. Desse modo, o vice-presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho refere que, “enquanto este problema não se resolver, não faz qualquer sentido abrir mais vagas nos cursos de Medicina”.
Assim, Pedro Morgado reforça que a decisão “não faz qualquer sentido, a menos que o objetivo seja formar médicos sem especialidade, de que o SNS seguramente não precisa”. O médico psiquiatra alerta que, “se o Governo quer aumentar o número de especialistas no SNS, então a mudança tem que acontecer ao nível dos médicos já formados”, apontando para a falta de médicos especialistas nos Serviços Hospitalares e nos Centros de Saúde.
O vice-presidente da Escola de Medicina da UMinho refere ainda que, “sem essas contratações de especialistas já formados e que estão disponíveis, também não é possível abrir mais vagas para formação”. Pedro Morgado afirma que “o país precisa de mais médicos de família” e que esses têm de ter “listas menores para poderem acompanhar os seus utentes com a regularidade necessária”.
José Diogo Soares vai mais longe e refere que “o curso de Medicina da Universidade do Minho tem uma grande carga horária de atividades práticas, na qual os estudantes contactam com a prática clínica desde o primeiro ano do curso” e, com o aumento das vagas, essa acabaria por ficar afetada. Exemplifica que, nos estágios, os alunos costumam estar divididos em pequenos grupos orientados por um médico tutor e que, se existirem mais alunos, “com exatamente o mesmo número de doentes e tutores, isso levaria a um aumento do rácio do número de estudantes por tutor”, diminuindo o tempo de estágio.
Assim, o presidente do NEMUM refere que, com o aumento do número de vagas, um aluno “terminaria o curso com um menor número de horas de prática, um menor número de doentes consultados e casos estudados e com um menor número de gestos clínicos e técnicas realizadas”. José Diogo Soares aponta que, desse modo, cada estudante seria “considerado médico mas com uma significativamente menor experiência clínica”, o que poderia “comprometer o próprio futuro da saúde e do SNS em Portugal”.
O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em resposta às críticas da decisão do Governo, questiona se não existe “espaço para acolher mais estudantes portugueses nas escolas médicas”, apontando para um aumento do “espaço para receber alunos estrangeiros”. Manuel Heitor avança ainda que, em visitas às instituições, os dirigentes mostravam vontade de aumentar o número de vagas aos estudantes internacionais.
(atualizado segunda-feira, dia 29 de junho, às 19:30)