Run The Jewels é um dueto de Hip-Hop, formado em 2012, constituído pelo rapper e produtor EL-P e pelo rapper Killer Mike. Uma combinação inesperada, visto que ambos os artistas possuem estilos diferentes e diferentes revelações na indústria da música. Contudo, desde a sua génesis, lançaram três dos mais relevantes álbuns de Hardcore Hip-Hop da última década – RTJ, RTJ 2 e RTJ 3 (nomes originais, eu sei).
O dueto começou a trabalhar junto no projeto a solo de Killer Mike (R.A.P Music), que contou com a produção de EL-P e, mais tarde, no álbum de EL-P, Cancer 4 Cure, em que Killer Mike participou numa faixa. Desde então, colocaram as suas carreiras a solo em pausa, focando-se apenas em ser os Run The Jewels, uma força cultural que conta com quase uma década de trabalhos musicais.
RTJ 4 é dos projetos, até à data, mais consistentes e com melhor incorporação dos seus comentários políticos – algo que não surgiu muito à superfície em RTJ 3. A forma mais generalista de descrever RTJ 4 é somente dizer que a lista de faixas inclui banger atrás banger atrás de banger.
“yankee and the brave” inicia o álbum de uma forma nada tímida. Com snares que mais parecem armas a disparar sem mercê enquanto a flow de Killer Mike se apodera deste beat com o estilo caraterístico de raivoso e empoderado. Os primeiros versos servem como uma reintrodução do dueto, para quem se estiver esquecido – “Back at it like a crack addict, Mr. Black Magic, crack a bitch back / Chiropratic, Craftmatic”.
A crueza, a agressividade e o estilo “in your face” do dueto revelam-se de imediato, logo na primeira instância lírica. De seguida, temos a contribuição emocionante de EL-P com uma flow ainda mais intricada. Isto tudo, sob uma soundtrack distópica e esmagadora, contem aquilo que se esperava – e que se quer – de uma faixa de RTJ, mas ainda melhor.
A seguir, temos “ooh la la”, um ponto nostálgico na discografia de RTJ, trazendo ao de cima o estilo sonoro usado no primeiro álbum. Tem uma melodia mais clássica e excêntrica, com elementos de Jazz espalhados pelo meio. As samples usadas – os vocais, que repetem o nome de música, e a melodia de piano – trazem um sentimento de desorientação e um ambiente mais sinistro. EL-p e Killer Mike transmitem os seus versos com uma fluidez de “fluxo e refluxo”, repetitivo e metódico. Digo repetitivo, mas a forma rítmica e a versatilidade que empregam faz com que esta repetição não fique cansativa nem aborrecida.
A terceira faixa, “out of sight”, inclui das melhores produções do projeto inteiro. Com kick drums pesados e imponentes, repetido numa espécie de soluço, é uma excelente forma de iniciar a música, cuja soundtrack se vê acompanhada com a energia extravagante do dueto.
A dinâmica de RTJ é algo a apontar – pois de que serve um dueto se não há química musical entre os membros? A forma como interagem um com o outro e como se complementam, apesar dos estilos diferentes, faz de Run The Jewels… Run The Jewels. A feature de 2 Chainz não foi “horrível”, mas, a meu ver, não se integrou bem na melodia e não acrescentou nada de valor à faixa (apesar do verso “I buy a hot dog stand if I’m trynna be Frank” ser engraçado, admito).
“holy calamafuck” traz um estilo diferente, em termos de beats, com uma sample não muito comum na discografia do grupo. Contudo, EL-P “rappa” em várias camadas de reverb, misturado com uma série de sintetizadores, que acaba por complementar bem esta diferenciação.
A meio da faixa, há uma mudança de ritmo, para algo mais relacionado com Trap – samples vocais distorcidas, afogadas em delay, e batidas mais tribais. Depois das últimas três bangers, esta faixa deixa algo a desejar. A batida mais espaçosa e ambiental, na segunda parte, não combina da melhor forma com o estilo vocal de EL-P.
O de Killer Mike coordena-se melhor com a beat, embora não seja suficiente para deixar uma boa impressão nesta faixa. Para o fim, temos uma série de synts que se tornam cada vez mais predominantes no som, dando a ideia de que iremos chegar a algum climax ou ponto alto da música. Contudo, a música acaba repentinamente, o que foi desapontante.
A seguinte faixa, “goonies vs ET” apresenta também alguns problemas, nomeadamente o refrão em que a voz de EL-P encontra-se num pitch baixo. O que, a meu ver (ou ouvir), é apenas constrangedor, apesar dos 808’s darem um bom “tempero” à música.
Não é o único refrão abaixo das expectativas de RTJ 4. Em “the ground below”, temos um que é atrapalhado e desajeitado, não flui tão bem nos nossos ouvidos, como é de esperar do coletivo.
Chegamos a meio de RTJ 4, com “walking in the snow”. Aqui contamos, novamente, com a participação de Gangsta Boo, ex-membro do coletivo de Horrorcore e Gangsta Rap, Three 6 Mafia. Gangsta Boo fez uma excelente feature em RTJ 2, na música “Love Again”.
O refrão aqui é empolgante e poderoso, de um ponto de vista lírico, com descrições de EL-P e de Killer Mike do estado atual do mundo: “This whole worlds a shit moat, filled to the brim like GitMo / When you think it don’t get mo’ low it limbo ‘til de sticks on the flo’”. Os versos de Killer Mike são ainda mais sem remorsos e descritivos e bastante atuais. Como se ele tivesse escrito isto quando os protestos em Minnesota começaram.
Em “JU$T” temos das músicas mais radicais do projeto inteiro, contando com a participação de Pharell Williams e Zach de la Rocha, de Rage Agaisnt The Machine. O refrão é imponente e politicamente carregado – “Look at all these slave masters posin’ on yo’ dollar”.
A produção é exímia, despida de complexidade, que, ao contrário de “holy calamafuck”, apesar de minimalista, incorpora melhores elementos (como o baixo que salta de orelha a orelha, os hi-hats discretos, mas notórios, os vocais frígidos e as harmonias vocais que aparecem espalhadas pela faixa toda). Do ponto de vista lírico, esta faixa foca-se agora na injustiça do sistema económico americano.
A seguir temos “pulling the pin” que traz a participação de Mavis Staples no refrão. Tal dá um sentimento de tristeza e de ter o coração nas mãos, ao observarmos o estado do mundo à nossa volta. Josh Homme, de Queens of the Stone Age, contribui também com toques de guitarra que dão um tom mais “choroso” e distorcido à faixa. Liricamente, a música fala-nos sobre espiritualidade, a nossa própria existência, a corrupção do mundo e a condição humana face a estes acontecimentos. É, sem dúvida, das faixas mais sombrias e pesadas emocionalmente que RTJ alguma vez lançou.
O (infeliz) fim de RTJ 4 conta com “a few words to the firing squad”. Uma faixa “enorme”, tendo em conta a metodologia de RTJ, tendo quase 7 minutos de duração. Só pelo título deduz-se logo que não será uma música “bonita”.
De um ponto de vista lírico, Killer Mike e EL-P parecem dizer as suas últimas palavras, antes de serem fuzilados por este firing squad. A coletividade de uma variedade de instrumentos (cordas pulsantes, saxofone e instrumentos de corda) culminam numa progressão musical, que me deixou ansioso para o que aí vinha.
Depois de todo este build-up temos uma transição final para uma espécie de aglomerado estranho de Country-Rap, que retrata o dueto como bandidos em fuga (“o yankee and the brave”). Um momento de ligeireza após a série de faixas pesadas emocionalmente.
RTJ 4 é um excelente álbum. Ponto final. Serve para relembrar quem Run The Jewels são, caso se tenham esquecido, o que eles defendem e a mensagem que querem passar ao mundo. Isto tudo na sua clássica agressividade e imponentes flows e produção.
Algumas partes que não alcançaram a barra de expectativas que se espera de RTJ e sim, não há muita coisa diferente neste 4º projeto que vai para além do que estamos habituados. Contudo, RTJ 4 é um aperfeiçoamento da arte que fizeram anteriormente. E se os álbuns anteriormente são fantásticos, então este é, sem margem de dúvida, um “must hear” do ano. Run The Jewels… “back at it like a crack addict”.
Artista: Run The Jewels
Álbum: RTJ 4
Editora: BMG Rights Managemente (US) LLC
Data de lançamento: 2 de junho de 2020