As aventuras e desventuras de Uhtred de Bebbanburg são desbravadas ao longo de quatro temporadas. Apesar de a história não as comprovar, The Last Kingdom permite que entremos num mundo distante, mas que terá sido o nosso passado.
Inspirado no livro Crónicas Saxónicas, de Bernard Cornwell, The Last Kingdom estreou em 2015 na BBC. Nos seus intermédios, a Netflix assumiu as rédeas do projeto. Hoje conta já com quatro temporadas, que acompanham as peripécias de Uhtred, um herdeiro saxão que foi traído pelo seu tio. Por força de infortúnios ou do destino, acabou por ser acolhido por dinamarqueses. Para quem acompanhou Vikings, pode ser que reconheça algumas das personagens que acompanharam o seu percurso.
Após crescer num universo até então incógnito, Uhtred vê-se forçado a interagir com os saxões de novo. Apesar da vontade inicial não ser a maior, a personagem começa a rever-se nas palavras de Alfred, o rei de Wessex. Digamos que este acabou por aguentar o que podia e, para infelicidade dos seus fãs, não conseguiu preparar totalmente o seu filho para os dias que se seguiram.
Edward é provavelmente a personagem mais irritante de toda a série. A sua mudança de postura da terceira temporada para a quarta é abismal. Sob pena de ser executada, surgia em mim uma vontade interior de esbofetear o novo rei de Wessex. Este é talvez o primeiro motivo pelo qual considero que tentaram esticar esta temporada.
De qualquer forma, esta opção pode ser entendida apenas como a comprovação das vozes que percorriam as paredes dos mais poderosos reinos. Por outro lado, pode ser mesmo, um conselho para os mais inocentes ou desatentos: ouve todas as partes interessadas sobre o assunto que tratas, para que possas compreender o panorama geral de uma determinada situação e, aí, tomar a tua decisão.
Moralismos à parte, é preciso também ter em atenção a transformação de Uhtred. Apesar de não ser já novidade, Alexander Dreymon, ator que personifica a personagem principal, é um autêntico camaleão. De episódio em episódio, de minuto em minuto, reconhecemos no protagonista um traço novo, uma nova cicatriz. Poderia estar a falar apenas do seu aspeto físico, pelo qual devemos parabenizar a equipa de caracterização, mas refiro-me à sua transformação interior. Uma transformação que transborda o carnal.
Um dos aspetos interessantes de The Last Kingdom, que a acompanha desde os primórdios, é a redefinição do conceito herói. Durante muito tempo, herói era aquele que superava todo e qualquer obstáculo que lhe aparecesse à frente, que, sem medos nem receios, enfrentava tudo e todos e, surpreendentemente, as consequências eram raras. Para além disso, seria para todo o sempre lembrado pelos seus grandes feitos. Mais do que ninguém, Uhtred sabe a verdade.
O segundo motivo pelo qual considero que esta história se foi esticando são as consequentes novas relações do protagonista. Estas, apesar de proporcionarem momentos ternurentos, levam geralmente à distração do herói das suas obrigações. Sem tirar nem pôr, a carnalidade mantém-se.
A série encontra-se ainda recheada com a participação de atores de excelência. Destaco o já referido Alexander Dreymon (Uhtred), David Dawson (Rei Alfred), Emily Cox (Brida), Timothy Innes (Rei Edward) e Millie Brady (Aethelflaed, irmã de Edward). Ao mencionar o último nome, não nos podemos esquecer de referir a preocupação da produção em estabelecer o contraste entre a escrita antiga e a escrita dos dias de hoje.
The Last Kingdom, tal como qualquer outra série que percebe que pode rentabilizar um projeto, esticou-se por caminhos nunca antes pensados. De qualquer modo, foram sendo feitas escolhas inteligentes para que o público não perdesse o interesse. Como não poderia deixar de ser, termino a aconselhar que ouçam The Last Kingdom de Eivør e John Lunn. Fica a memória e a esperança de uma nova temporada.
Título Original: The Last Kingdom
Direção: Chrissy Skinns
Argumento: Stephen Butchard, Bernard Cornwell
Elenco: Alexander Dreymon, David Dawson, Emily Cox
EUA
2020