A pandemia causou diversos estragos nas mais variadas modalidades. Ainda longe do fim, vai ser difícil perceber as reais consequências que a Covid-19 vai trazer para as organizações. No caso das equipas da Liga BPI, é conhecida a disparidade entre os clubes, principalmente desde que os chamados “grandes” começaram a explorar o mercado do futebol feminino.

Nos últimos anos, assistimos a um salto qualitativo da modalidade no solo lusitano. Além da crescente recolha das melhores jogadoras nacionais, que estavam espalhadas pelo mundo, algumas atletas internacionais começaram a escolher Portugal como um trampolim para um clube de maior dimensão. Os adeptos começaram a encher estádios e o interesse crescia de dia para dia.

Entretanto, já em 2020, chegou junho, o mês do desconfinamento. Enquanto a população começava a sair mais de casa, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) resolveu criar uma medida que cortava as asas às jogadoras de futebol feminino a atuar em Portugal. A partir da temporada 2020/2021, a FPF decidiu que as  equipas da Liga BPI iriam ter um teto salarial de 550 mil euros.

Depois da competição terminar sem campeão, parecia difícil piorar a situação das equipas do principal escalão do futebol feminino nacional. No entanto, depois de investimentos para garantir os objetivos para a época, o vírus foi a desculpa para tirar o chão e construir um teto para travar o crescente desenvolvimento da modalidade até se encontrar uma “solução”.

A criação de um limite salarial não é uma novidade no Desporto. Uma pequena viagem ao sistema desportivo dos Estados Unidos da América apresenta o “cap space”, medida que coloca todas as organizações no mesmo nível, obrigando a uma melhor gestão dos plantéis. No caso português, não se trata de igualdade, mas sim uma forma fácil de abater o alvo mais simples no processo, visto que só a vertente feminina do desporto rei sairia prejudicada.

Com toda a naturalidade, as jogadoras mostraram desagrado com o artigo 93 do regulamento do campeonato de 2020/21. Além de considerarem “discriminatório”, o movimento “Futebol Sem Género” teceu duras críticas à FPF: “incrivelmente, chegado o ano de 2020 – pleno Século XXI – é preciso lutar contra a criação de um teto salarial no futebol feminino em Portugal”.

Depois de algumas equipas começarem a perder peças importantes para campeonatos fora do nosso país, a consciência começou a pesar. A luta pela mudança começou a ganhar mediatismo e a decisão foi revertida pela Federação. No entanto, os responsáveis pela medida garantem que não existia motivo para alarme, o que, do meu ponto de vista, continua a ser preocupante.

As atletas lutaram quase sozinhas, sem grandes apoios. E, apesar de todas as dificuldades, a pressão deu uma vitória suada à equipa das atletas num jogo que não devia ter conhecido o apito inicial. O caminho para a igualdade é sinuoso, onde o preconceito e a mentalidade masculina do futebol em Portugal são as curvas que dificultam a chegada a bom porto.

Com o passar dos anos, considero que vamos assistindo a uma alteração nos comportamentos sobre este tema, ainda que lentamente. Cada vez mais, o futebol feminino importa e os adeptos vão percebendo que não há diferença entre festejar um golo de Cristiano Ronaldo ou um de Jéssica Silva.

Muitas das jogadoras conciliam a rotina laboral com o futebol, que acaba por não passar de um hobby. Não acham que elas merecem um pouco de retorno pelo esforço que colocam numa atividade que acaba por não trazer retorno? É hora de começar a abrir horizontes, porque uma mulher também pode e deve jogar e receber aquilo que merece.