Surdina é o novo filme do vimaranense Rodrigo Areias, com argumento de Valter Hugo Mãe. O projeto foi gravado na cidade de Guimarães e é o filme português que reabre as salas de cinema, com estreia a 16 de julho. Em entrevista ao ComUM, o realizador admitiu que a dificuldade no alcance de Surdina se prende com o facto de que “as pessoas vão demorar algum tempo a retomar ao normal de consumo de cinema”. No entanto, afirmou também não se podia adiar a estreia para sempre e que a temática do filme é uma boa forma de reabertura.

ComUM – O Surdina filme tinha estreia marcada para abril, mas com a pandemia as salas de cinema acabaram por fechar e adiaram o lançamento para julho. Quais foram as dificuldades sentidas?

Rodrigo Areias – A dificuldade deste filme é simples. É que as pessoas vão demorar algum tempo a retomar ao normal consumo de cinema, porque estão com receio e, por isso, não vão, ou vão muito menos às salas. Sabemos que demorará algum tempo a voltar ao normal, mas isso era algo que já esperávamos. Embora a ideia aqui era não adiar ad aeternum o lançamento do filme, até porque alguém tem de começar. Ou seja, se toda a gente adiar, não há como abrir os cinemas e, se não abrir os cinemas, não há como as pessoas voltarem às salas de cinema. Por isso, nesse sentido, quando a NOS pediu para que fosse o Surdina o filme português de abertura das salas de cinema também tem a ver com a temática do filme, com o próprio tom do filme. No fundo pareceu-me bem. Sabíamos de antemão que ia ser sempre difícil fazer bons números de espectadores, mas sem qualquer problema.

Surdina_Rodrigo Areias

ComUM – E o feedback do público?

Rodrigo Areias – Recebemos sempre feedback. O filme tem passado numa série de festivais internacionais, continua a ser apresentado numa série de países e temos recebido alguns prémios internacionais. E é um filme que vai ter estreia comercial já numa série de países, por isso, nesse sentido, o feedback é positivo. Nos festivais há sempre um encontro um bocadinho mais direto com o público, por isso há uma interação mais forte. Nesse sentido, já desde a sua estreia que tínhamos tido sempre reação do público. Mas é um filme mais fácil, de acesso mais fácil relativamente aos meus filmes que encontramos normalmente, por isso também é um filme mais fácil para chegar a um público mais lato.

ComUM – Como surgiu esta parceria com o Valter Hugo Mãe? Normalmente o Rodrigo escreve e produz o próprio filme, por isso as imagens visuais que cria enquanto o faz mudam quando tem outra pessoa como argumentista. Foi fácil essa gestão?

Rodrigo Areias – Na verdade o método mais normal na produção de um filme é o argumentista e o realizador serem pessoas diferentes, é comum. Para mim, é menos comum, porque efetivamente penso mais visualmente do que narrativamente. Os filmes não têm propriamente histórias, ou têm histórias, mas elas existem para disfarçar. Aquilo que me apetece fazer é obrigar o espectador a mergulhar numa experiência e não propriamente contar-lhe uma história, por assim dizer.

Nesse sentido, aqui foi um pouco diferente, mas fui eu que propus ao Valter fazermos um projeto juntos, na verdade. Quando li o primeiro livro do Valter achei que devia contactá-lo, dizer que gostei do livro e que gostava que pensássemos em alguma coisa juntos. Ele disse-me que tinha visto o meu filme anterior e que tinha gostado muito, que tinha estado na estreia do filme e que alinhava.

Quanto ao princípio visual, eu levei o Valter antes de ele escrever aos sítios que gostava que ele escrevesse para, como a casa do Isaque, todo aquele universo particular do centro histórico de Guimarães. E ele levou-me a São Cristóvão de Selho, freguesia de onde é toda a sua família. Apesar de eu saber onde é e já la ter passado na vida, já la ter ido, não conhecia propriamente, porque não deixa de ser uma freguesia mais de passagem para mim. No fundo, foi a junção desses dois universos de duas pessoas que partilham a coincidência de serem oriundas do mesmo território, porque quando contactei o Valter nem sabia que toda a sua família era Vimaranense, fiquei a saber nessa altura só.

Surdina_Rodrigo Areias

ComUM – Quanto ao título do filme, Surdina é um objeto usado para abafar o som dos instrumentos. Então, como surge a ideia deste nome?

Rodrigo Areias – Surdina não é só o abafador de instrumentos. Surdina é também o que se diz entre dentes, o que se diz em surdina, no fundo, o que se diz baixinho, o que se pretende que nem toda a gente ouça. Aqui, na verdade, tem a ver com essa interpretação, ou seja, no fundo tem a ver com aquilo que se diz entre dentes, efetivamente.

Nesse sentido, é obvio que é um título que não é muito comercial, mas é um título que me pareceu adequado ao filme. A proposta é do Valter, na verdade, mas eu gostei bastante. O título surgiu já no fim do filme, ou seja, fomos trabalhando com o título provisório, que é uma coisa normal, e depois, quando fechamos o filme, decidimos atribuir-lhe outro título.

ComUM – A situação atual do mundo deve ter condicionado alguns deles. Como está a ser a gestão face a esta nova realidade?

Rodrigo Areias – Obviamente nesta fase foi necessário parar com as rodagens. Estávamos a fazer um filme em Moçambique e foi preciso a equipa voltar de emergência para Portugal, naturalmente. Estávamos a fazer o filme do Edgar Pêra que tivemos de cancelar porque íamos arrancar no início de março, tínhamos tido três dias de testes com atores no final de fevereiro e, por isso, o arranque do filme propriamente dito teve de ser adiado.

O que este momento nos obrigou a fazer foi, efetivamente, dedicar-nos mais às parte de escrita e pós-produção, as partes que, na verdade, não carecem de grande aglomeração de pessoas. E o filme de Edgar Pêra, para poder ser exequível, foi necessário que eu fizesse um plano de contingência com algum radicalismo entre eles, alugar um hotel para meter uma equipa lá dentro e fazer uma quarentena cinematográfica em que tenho de meter mais de 60 pessoas dentro de um hotel. Isto significa que, em termos de investimento direto, que não estava contabilizado no orçamento, são mais 100 mil euros, para garantir que não se para de fazer filmes e que as pessoas com quem trabalhamos continuem a sobreviver. Porque efetivamente o grande drama de tudo isto é a economia estagnar e, ao estagnar, é um ciclo vicioso. Depois para voltar a arrancar é muito complexo.

ComUM – E quanto a projetos futuros?

Rodrigo Areias – Projetos meus, como realizador, estou a acabar a montagem de dois filmes. Um era suposto ter estreado também no “Curtas Vila do Conde”, que é uma longa composta por várias curtas, com uma série de coisas que eu fui fazendo entretanto e juntando ao filme. É um filme que se chama Vencidos da Vida e que vai estrear em outubro no “Curtas Vila do Conde”.

Depois, tenho outro filme documental, que é um filme que está a ser feito há uma série de anos. Tem filmagens num espaço mais lato de tempo, que se chama “Arte da Memória”. E, de repente, tenho agora um projeto grande cujo financiamento é recente, já é pandémico. É um filme grande que se chama “O pior homem de Londres”, um filme de época em inglês, produzido pelo Paulo Branco. É uma coisa com outra dimensão com e outro orçamento para filmar, dependendo como é que o mundo se organiza, mas para filmarmos em março ou abril do próximo ano.

E tenho outro filme também já financiado que é uma adaptação de obras de Raul Brandão. Vou adaptar mais uma vez Raul Brandão ao cinema, mas isso será já no fim do próximo ano. Por isso, no meio disto tudo, ainda estamos a produzir cerca de 20 filmes, nem sei bem dizer. Mas é sempre muita coisa.