Margarida Espantada chegou, para espanto nosso, às bancas em março de forma diferente. Alterados os planos com o início da pandemia, Rodrigo Guedes de Carvalho lança o seu mais recente romance, primeiro em formato digital, e-book e audiobook, e só depois em papel.
O autor descreve o livro como sendo sobre família, irmãos, violência doméstica, sobre doença mental e sobre um efeito dominó. Toda a obra representa verdadeiramente isso, um escalar de acontecimentos intensos e demasiado reais. Margarida Espantada é um livro sobre a dor, a impotência e o abuso.
A obra retrata a vida de uma família aparentemente comum da alta burguesia, no entanto isto não passa de uma ilusão. Nomeio de uma falsa calma, reina sobre o dia a dia da família um clima violento e uma tormenta imensa. A violência é despoletada por coisas banais e comuns. É uma reação que vai crescendo acompanhada por uma dor cada vez mais insuportável.
Contudo, a obra não é só um livro sobre violência doméstica, é também uma história sobre perturbações e doenças mentais. Margarida, a “Espantada” que dá nome à obra, é a personagem principal e, como tal, a história circula, por um lado, à sua volta e da sua família. Por outro circula também à volta da forma como Margarida é vista pelos seus familiares. Na verdade, pouco sabemos sobre ela, sabemos apenas o que diz sobre ela. Aquilo que o leitor sabe é que no seio desta família disfuncional, em que todos têm problemas sérios, há algo que todos herdaram, a incapacidade de amar o próximo.
Margarida Espantada trabalha com duas gerações da família Duval. A partir destas faz-se uma descrição intimista daquilo que foi a infância de quatro irmãos, e de como imensos acontecimentos moldaram o estabelecimento de relações, tanto com os pais como entre irmãos. Revela-se ainda como foram moldadas as perspetivas para o futuro e o modo como cresceram e como se construíram enquanto pessoas.
O livro é hesitante, é pesado e duro. Vai lançando pistas e funciona de forma alternada e parcelada. Alterna entre personagens, em constantes analepses e prolepses. Primeiro fala-nos de violência doméstica, depois com o tempo e com as novas personagens que vão surgindo dos Duval, as pontas soltas e as pistas começam a fazer sentido.
A narrativa é feita de forma distanciada, não sendo fácil criar uma relação de envolvimento com as personagens. Rodrigo Guedes de Carvalho opta por utilizar frases curtas, muitas repetições e enumerações. Pontualmente, não se esquece da ironia para inserir uma crítica social.
A intenção do livro parece ser evidenciar o que vai de mal no mundo e os erros que cometemos. A obra promete uma certa simplicidade, mas com o decorrer da leitura percebemos que foi uma história muito pensada para mostrar uma realidade muito atual. Margarida Espantada expõe o que as famílias são. São uma moeda de duas faces, com uma parte exposta e uma parte oculta, que se dirige por caminhos apertados. De forma específica, Margarida Espantada não fala de todas as famílias, mas fala daquelas que vivem “amaldiçoadas” pela infelicidade da violência.
Título Original: Margarida Espantada
Autor: Rodrigo Guedes de Carvalho
Editora: Dom Quixote
Género: Romance
Data de lançamento: 2020



