Ernesto Manuel de Melo e Castro faleceu com 88 anos este sábado, dia 29 de agosto. Nascido na Covilhã em 1932, tornou-se o pioneiro da poesia experimental em Portugal. Longe (ou não) das artes, consagrou-se também um precursor na engenharia têxtil nacional.

O poeta licenciou-se em Engenharia Têxtil na Universidade de Bradford, em 1956. Em 1998, concluiu o doutoramento em Letras na Universidade de São Paulo. Além de poeta e engenheiro, deu também aulas no Instituto Superior de Arte, Design e Marketing e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil.

Uma das suas obras mais conhecidas é o livro Ideogramas (1962). Considerado o fundador da Poesia Concreta e do Experimentalismo em Portugal, o livro reúne 29 poemas concretos sem qualquer introdução ou nota explicativa. No entanto, aquando o lançamento do livro na Feira do Livro de Lisboa no dia 15 de junho de 1962, E. M. de Melo e Castro aprofundou as “Preocupações de um poeta em processo, que não está sozinho no Universo”.

Pedro Correia

Ao longo da sua reflexão, procurou esclarecer os mais curiosos sobre o que é esta poesia concreta. Sendo assim, indicou que “na Poesia Concreta, o fluxo sonoro é substituído por uma tensão plástica, espacial, portanto. Por isso um poema concreto não pode ser dito nem ouvido, mas sim visto e lido simultaneamente, de tal modo que não se leia só, nem só se veja”.

As suas obras e a sua perspetiva artística conceberam-lhe a participação (em 1964) e a oportunidade de organizar (em 1966) o primeiro e o segundo número da revista Poesia Experimental. No entanto, o grupo responsável pela publicação não se intitulava como principiantes. Na verdade, E. M. de Melo e Castro fez questão de o referir.

“O grupo que publicou Poesia Experimental I e II não era constituído por jovens estreantes à procura de afirmação pessoal, antes por poetas já com obra de pendor investigador publicada e reconhecida nos meios culturais portugueses (ou melhor, todos já tinham sido alvo dos insultos da crítica estereotipada e caduca desses mesmos meios)”, pode ler-se em Notícia de uma poesia experimental portuguesa em 1968.

O já entendido nunca deixou que o conhecimento ocupasse lugar. Entre as diversas antologias e suplementos em que colaborou, é destacada a organização de Hidra 2 (1969). A revista conta “com objetos reais que funcionam como “poema-objeto” (carteira de fósforos, balão, folhas de exercícios em stencil, desdobráveis e envelope)”. Para além disso, sublinha-se a organização da Operação 1 (1967) e a sua colaboração com a revista Arte Opinião (1978-1982).

Quando se fala no E. M. de Melo e Castro, existe ainda outro livro que nos assalta a mente, a Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa. A obra de 1959 contou com a colaboração de Maria Alberta Menéres (1930-2019), a sua companheira. Para além disso, permitiu a divulgação de artistas portugueses emergentes, como Alberto de Lacerda, Ana Hatherly, António José Forte e António Maria Lisboa.

A sua atividade artística foi apresentada em variadas exposições, nomeadamente na Galeria 111, em 1965; na Galeria Buchholz, em 1974, e na Galeria Quadrum, em 1978. Mais recentemente, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresentou O Caminho do Leve (2006), uma exposição de retrospetiva da sua obra. Com o mesmo propósito, em 2018, Brasília recebeu a exposição Poesia Experimental Portuguesa.

A 10 de junho de 2017, E. M. de Melo e Castro foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Isto é, recebeu a ordem honorífica portuguesa, que visa distinguir, entre outros, serviços de expansão da cultura portuguesa.

Hoje, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recorda o poeta com carinho,  “Ernesto de Melo e Castro foi a personalidade mais destacada de um movimento marcante da cultura portuguesa contemporânea”, estabelecendo-se como “sinónimo de poesia experimental portuguesa”, e “um escritor e artista que muito contribuiu para o diálogo cultural luso-brasileiro”.

Engenheiro, professor, poeta e artista plástico, Ernesto Manuel de Melo e Castro mostrou-se um ser multifacetado. Após tantas vivências e contributos para a arte nacional, deixou-nos. No entanto, a sua alma, a sua essência fica. Para sempre imortalizado, despedimo-nos com um até já.