Surdina é o mais recente trabalho do produtor português Rodrigo Areias e conta com um nome de peso na argumentação, o escritor Valter Hugo Mãe. Rodada na cidade berço, é uma das estreias que abre os cinemas no seu regresso após confinamento. Com um lançamento arriscado a 9 de julho, a obra cinematográfica é um retrato astucioso e bem-humorado de uma província portuguesa.

Surdina é Portugal no mais autêntico dos sentidos. Conta a história de Isaque (António Durães), um viúvo de meia idade que não consegue ultrapassar a morte da mulher. Vive numa aldeia pequena, em que tudo é motivo de comentários e cochichos. O mais recente mexerico na aldeia é a notícia de que a sua falecida mulher foi vista a fazer compras. Devastado e revoltado, a personagem de António Durães pretende esconder-se de todos, mas os amigos insistem em que refaça finalmente a vida.

O interessante no meio disto, é que a longa metragem não centra a sua atenção no “retorno” dos mortos, o que move a cidade e as pessoas é a possibilidade de beijos, choros: a vida alheia. Por esse motivo, o filme parece oscilar entre a linha que separa a ficção da realidade. Surdina é nada mais do que um retrato social, com personagens caricatas, diálogos bem construídos e reais. A longa-metragem consegue abranger o típico povo português e, talvez, sejam estes os elementos que fazem com que o filme funcione.

O ponto que salta à vista desde o primeiro momento é o facto de Surdina ser feito em volta de personagens com uma idade avançada. Talvez seja isso o que as faz tão fortes e expressivas, algo que não podia ser de outra maneira. Cruzando atores profissionais com os chamados “não atores”, este é, sem dúvida, o filme em que Rodrigo Areias mais se aproxima da sua realidade quotidiana.

A abordagem parece, desde logo, promissora e as personagens são bem construídas e todas elas são essenciais para não cansar o espectador. Isto é, a nuvem negra à volta do protagonista é muitas vezes atenuada pelos comentários bem-humorados dos amigos.

No que diz respeito a aspetos técnicos, não há nada a apontar. A direção de fotografia ilumina e enquadra impecavelmente todos os espaços, com especial destaque para o casarão de Isaque. A casa deixa transparecer a solidão, frieza e angústia de um homem atormentado.

O som é igualmente característico. Ao combinar-se, na edição, os ruídos locais com a melancolia da música pela mão de Tó Trips, o resultado transparece todo um ambiente de desalento.

A única coisa a apontar é que, de facto, parece haver uma tendência para o artificial. Em muitos momentos, as marcações e movimentos dos atores parecem quase robóticas e as falas forçadas. Nota-se que existe vontade de criar um tom mais cómico, o que pode comprometer a relação entre o espectador e o filme.

Apesar disso, Surdina conta com autenticidade a história de uma pequena aldeia e dos seus morados. O verdadeiro trunfo da obra cinematográfica é esse mesmo, a possibilidade de qualquer espectador se conseguir identificar com algum aspeto ali tratado. É uma história peculiar que merece ser ouvida e vista.