Criado por Tony McNamara, conhecido pelo seu trabalho em The Favourite (2018), The Great estreou em maio, na Hulu. O escritor e produtor provou novamente ser capaz de se inspirar em eventos reais e transformá-los em algo seu.

Numa extravagância feita de humor, alguns momentos sombrios, vestidos voluminosos, perucas excêntricas, e copos constantemente partidos seguidos do grito eufórico huzzah!, The Great é o tipo de série que depois de se começar a ver, torna-se impossível não clicar no botão de “próximo episódio”.

A história segue Catherine II, A Grande, imperatriz da Rússia de 1762 a 1796 que, após organizar um golpe de Estado contra o marido, Peter III, torna-se a líder feminina que mais anos passou no trono. Com uma mente visionária e sagaz, revitalizou a Rússia pelas próprias regras e o seu reinado é atualmente considerado a Idade de Ouro do país.

The Great começa momentos antes de Catherine conhecer Peter, quando a sua ingenuidade e inocência a fizeram acreditar que um casamento amoroso e doce a esperava do outro lado das portas do palácio. A série deixa claro que, mais frequentemente do que não, os eventos retratados são fictícios, como esclarecido pelos créditos iniciais (The Great*, *uma história ocasionalmente verdadeira).

Contudo, não há um momento que seja absurdo ou rebuscado ao ponto de se afastar por completo da realidade, com o único propósito de arrancar gargalhadas baratas. A comédia reside nas personalidades extravagantes das personagens ou na sua sagacidade e espírito aguçado. Esta diferente representação dos russos, menos alicerçada em gestos tresloucados e sotaques quase incompreensíveis, como são comummente interpretados na televisão e no cinema, acabou por ser uma lufada de ar fresco e uma nova perspetiva dada à cultura do país.

O enredo evolui rapidamente, e ainda assim há tempo para deixar cada protagonista evoluir e crescer nos seus próprios termos. Cada personagem tem motivações e ambições distintas e bem alicerçadas ao longo dos episódios; quando os seus interesses entram em conflito, cria-se uma dinâmica interessante entre elas, uma verdadeira disputa entre mentes decididas que pensam ser portadoras da razão.

Catherine começa como uma jovem inocente, com grandes sonhos no departamento do amor e planos para modernizar e engrandecer o país onde agora reside. No entanto, rapidamente compreende que entre ela e a grandeza da Rússia se impõe a coroa, e é Peter quem a segura. Depois de ser gozada, silenciada, ridicularizada por outras senhoras da corte e confrontada com a crua realização de que, neste casamento, amar nunca foi uma alternativa, apenas uma garantia de continuação de linhagem familiar, Catherine toma uma decisão: destronar Peter e reclamar o trono como seu.

O desenvolvimento do arco da imperatriz, protagonizada por Elle Fanning, é uma jornada satisfatória e, no final, recompensadora. Chega ao palácio com uma aparência frágil e ingénua, pele de porcelana e cabelos palidamente loiros, um vestido de cor clara e palavras exageradamente românticas para um imperador desinteressado e um país que lhe é desconhecido. Porém, acaba vestida de rosa choque, um espelho da confiança e independência pela qual tão arduamente lutou e um aviso para os opositores. Como um contraste físico de caráter, as vestes de Peter são escuras e transparecem riqueza infindável, rindo-se de Catherine e reinando com a competência com que uma criança brinca aos reis e rainhas num castelo de brincar.

A imperatriz mantém uma posição calma e doce, uma feição jovem, mas uma mente matura. A atitude com que expressa os planos que prepara para Rússia torna-se cada vez mais apaixonada e fervorosa, e o que está disposta a sacrificar para alcançá-los também se intensifica gradualmente. É encantador ver a sua personagem crescer, a sua sagacidade e resiliência a serem transparecidas através da sua inteligência e escondidas sob a aparente complacência com que reage às ordens e caprichos do marido.

Nicholas Holt interpreta Peter sem escrúpulos. Ainda que, tal como Elle, a sua aparência quase infantil traia a ideia inicial de estarmos perante alguém cruel e descabido de lógica, a forma arrogante e despreocupada como fala e como se comporta culmina numa personagem que, ainda que em teoria seja detestável, deixa saudades quando não está em cena.

Para além do enredo e das personagens, a série é ainda esteticamente agradável. Ainda que aconteça quase exclusivamente dentro do palácio, os cenários são de tal forma intricados e ricos que dificilmente deixam espaço para aborrecimento por repetição.

Em suma, The Great é uma série escrita inteligentemente. Tony McNamara soube como criar a sua própria versão da história sem cair na tentação de ridicularizar ao extremo as personagens sob o pretexto de criar comédia. Desde as performances dos atores, às roupas e às escolhas musicais atuais e clássicas, The Great acaba por ser o tipo de entretenimento perfeito para binge-watch num fim de semana. E agora que a Hulu renovou a série, huzzah a uma segunda temporada!