A investigadora da UMinho vai conduzir um projeto de investigação que pode trazer respostas sobre a origem de algumas doenças mentais.

Ana João Rodrigues, investigadora do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da UMinho, está a desenvolver um novo estudo. O projeto de investigação visa compreender de que forma o cérebro humano codifica o prazer e a aversão e a implicação destas mensagens em comportamentos do dia a dia.

O projeto conquistou o financiamento de 500 mil euros do Programa Health Research 2020 da Fundação La Caixa, um dos mais competitivos do mundo nesta área. O prémio vai permitir a investigação do ICVS nos próximos três anos, que conta também com a colaboração de cientistas dos Estados Unidos e do Brasil.

Em conversa com o ComUM, a investigadora falou sobre o projeto pioneiro e refletiu sobre a atividade científica em Portugal.

ComUM – Qual é o âmbito deste projeto de investigação?

Ana João Rodrigues – Vamos tentar perceber de que forma é que o nosso cérebro codifica o prazer e a aversão, ou seja, como é que os neurónios percebem que um estímulo é positivo, neutro ou negativo, e de que forma esta mensagem é processada para levar a um determinado comportamento. Nesta área [da neurociência], há um modelo clássico que diz que o prazer e a aversão estão codificados em populações distintas de neurónios. A nossa proposta, porém, é fazer uma avaliação sem assumir à partida essa segregação, registando a atividade neuronal em grande escala numa área importante do cérebro para a codificação de informação positiva e negativa.

ComUM – Que novidades traz a abordagem utilizada neste estudo?

Ana João Rodrigues – Este estudo é novo na medida em que vamos registar um grande número de neurónios em animais roedores, enquanto estes se estão a movimentar e a receber estímulos positivos ou negativos. Para além disso, com a ajuda dos nossos colaboradores americanos, conseguimos obter ferramentas novas que nos vão permitir avaliar um determinado tipo de neurotransmissores – ‘pequenos mensageiros’ – que os neurónios usam para comunicar entre si. Isto nunca foi observado em animais acordados, a desempenhar este tipo de tarefas, e é uma abordagem que nos vai permitir ver coisas no cérebro que ainda não tínhamos visto até à data.

ComUM – O projeto vai ser desenvolvido em colaboração com cientistas de vários países. Portugal tem condições para ser um bom parceiro nesta área?

Ana João Rodrigues – Tenho a certeza que sim. Temos imenso potencial e programas de treino espetaculares. Infelizmente, somos um país que não investe muito na ciência – e devia investir – e isso, obviamente, afeta a nossa competitividade. Mas a verdade é que a ciência portuguesa, com menos recursos, consegue atingir níveis de excelência que, muitas vezes, não são atingidos com mais recursos lá fora. Por isso, acho que somos extremamente competentes, bem treinados, e comparo o investigador português a qualquer outro do MIT, de Stanford, de Oxford e de outras instituições reconhecidas. Não somos inferiores, somos iguais.

ComUM – Voltando ao cerne da investigação, que possibilidades abre este estudo para o conhecimento científico?

Ana João Rodrigues – Este é um projeto de investigação fundamental e, portanto, não vamos usar nenhum modelo de doença. Vamos, sim, tentar descobrir mecanismos fisiológicos para obter conhecimento fundamental que, a longo prazo, é extremamente importante. Existem patologias neuropsiquiátricas em que há uma disfunção da codificação do prazer e da aversão, como são exemplos a depressão e a adição. Ao percebemos como é que estes circuitos funcionam numa situação fisiológica, podemos vir a perceber melhor alguns dos mecanismos adjacentes a estas doenças.

ComUM – O cérebro humano é algo que ainda desconhecemos na sua totalidade. Na sua opinião, a ciência está no bom caminho para mais descobertas?

Ana João Rodrigues – O cérebro humano é algo sobre o qual já sabemos muito, mas é uma caixa de surpresas. Cada nova descoberta levanta centenas de perguntas. É verdade que temos ferramentas cada vez mais sofisticadas para avaliar a atividade e a comunicação neuronal, mas se pensarmos que temos biliões (aproximadamente 86 mil milhões) de neurónios que comunicam e outras células neurais que parecem fazê-lo também, o cérebro torna-se uma figura demasiado complexa para ser compreendida. Contudo, acho que estamos no bom caminho e a descobrir, a passos de caracol, este órgão maravilhoso que é o cérebro.

 ComUM – Nesse sentido, o desenvolvimento tecnológico é indispensável à ciência?

Ana João Rodrigues – Sim, acho que a ciência e a tecnologia andam de mãos dadas, é uma relação de simbiose. A ciência contribui para desenvolvermos novas ferramentas, mas estas também contribuem para fazermos melhor ciência. Por exemplo, no nosso projeto, vamos utilizar ferramentas novas e espetaculares para responder a perguntas complexas e que não conseguíamos resolver sem elas. Agora que as temos, vamos poder ver um determinado tipo de mensageiros no cérebro pela primeira vez.

ComUM – Depois desta investigação, tem mais projetos em mente?

Ana João Rodrigues – Acho que o cientista é um artista e, portanto, a criatividade e as ideias fazem parte do nosso trabalho. Eu tenho imensas ideias na minha cabeça, projetos que gostaria de concretizar dentro desta temática, mas primeiro é necessário resolver algumas questões para depois focar noutras. Eu antecipo que este projeto vai gerar dados que nos vão conduzir a muitas outras perguntas: algumas que prevejo e outras que serão completamente novas. Por isso, como uma boa cientista deve fazer, mantenho estes projetos a fervilhar na minha cabeça, mas o meu objetivo principal agora é resolver as perguntas em aberto no âmbito deste projeto.