Se é que isso importa ou faz sentido referir, Microphones in 2020 é o quinto álbum da banda americana The Microphones. Claramente distanciado dos restantes lançamentos (17 anos separam Mount Eerie de Microphones in 2020), surge como uma visão artística e madura da carreira e da vida de Phil Elverum. O artista americano é conhecido por ser o estandarte deste projeto e da “banda” Mount Eerie, com boa parte dos trabalhos associados a estes nomes a serem completamente desenvolvidos por si.
Com este disco o enigmático compositor, músico e produtor proveniente de Washington partilha connosco uma única canção com cerca de 45 minutos de duração. Num registo autobiográfico e informal, Elverum remexe com sensibilidade no seu passado. Dada a natureza da obra e a minha ignorância face ao catálogo anterior da banda ponderei seriamente se seria a pessoa indicada para analisar este trabalho. No entanto, e estando já a internet cheia de opiniões fundamentadas sobre um contexto musical que me é ainda desconhecido, achei que seria interessante falar da minha experiência com esta música.

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A verdade é que, musicalmente falando, este é um álbum absurdamente repetitivo e pouco desenvolvido. E o texto refletivo, cheio de referências a um passado que naturalmente não é do conhecimento de todos, remete para a ideia de que este seja um projeto mais adequado para um público já familiarizado com os temas que o artista aborda (a sua vida, a sua arte e o seu propósito). Não sendo esse o meu caso, e assumindo desde logo essa lacuna, há escolhas artísticas com as quais se torna difícil simpatizar.
Para começar, a intro da música é incrivelmente longa, com 7 minutos e os dois acordes que se vão repetindo ao longo de praticamente todo o tema. Além disto, fica a clara ideia de que o disco podia ser mais desenvolvido e variado a nível musical. Ainda que haja vários momentos efetivamente interessantes e ambiciosos muito bem conseguidos, como a celestial passagem instrumental que irrompe brilhantemente e com suavidade por volta do minuto 27, muito raramente nos descolamos da repetitividade quase sufocante daqueles dois ou três acordes sobre os quais a música revolve. Isto torna-os numa constante facilmente adivinhável ao longo do disco o que, ainda que faça algum sentido tendo em conta o contexto e o propósito da obra, se pode tornar aborrecido. Especialmente se considerarmos quão desacompanhados por vezes estão.
Apesar de tudo, essa previsibilidade musical do disco acaba por dar mais enfoque às palavras de Phil. A minha única crítica a uma produção quase imaculada passa exatamente pela dificultação da tarefa de seguir o rumo do que está a ser dito, por alguns dos momentos mais noisy do álbum, justamente porque o instrumental engole sem piedade a voz. Não fosse o texto de Elverum tão claramente o motivo do disco e esta seria uma opção muito mais compreensível e aceitável, mas, dado o protagonismo (e o brilhantismo) da letra, tenho de referir que me parece que o ouvinte fica a perder com isto. A menos que esteja a ler o texto ao mesmo tempo que ouve o disco, algumas palavras são quase impercetíveis, aquando desses momentos.
Tendo já admitido o facto de não estar familiarizado com a obra da “banda” naturalmente que assim que percebi que havia referências àquilo que me era desconhecido, fui fazer o meu trabalho de pesquisa para saber minimamente do que se estava a falar. E de facto, é muito interessante perceber como o autor pega em versos chave da sua carreira para ilustrar o que está a dizer e para se guiar a si mesmo nesta jornada refletiva sobre a sua vida e a sua arte. Aliás, podemos denotar isto logo nos primeiros versos da canção “The true state of all things/ I keep on not dying, the sun keeps on rising” – a relembrarem duas faixas antigas do artista.
O ambicioso conceito do disco é admirável e é extremamente interessante ouvir alguém falar em como algumas das suas experiências o moldaram enquanto pessoa e artista. Honesto, espontâneo e vívido, o detalhe da escrita de Phil chega a ser estranhamente comovente. A ideia de um álbum com apenas uma canção Indie-Folk de 45 minutos, que chega inclusive a falar de si mesma é certamente capaz de surpreender a menos impressionável das pessoas. “I drove back to Olympia clear headed temporarily and went back into the studio to resume whatever this thing is: / this spooling out repetitive decades-long song string, / this river coursing through my life, / these wild swipes at meaning”.
Esta ideia do tempo e da eternidade volta a estar presente numa experiência à qual faz referência aquando de um concerto onde a banda que foi ver tocou um acorde durante 15 minutos. “I saw Stereolab in Bellingham and they played one chord for fifteen minutes / Something in me shifted / I brought back home belief I could create eternity”. Isto pode estar indiretamente relacionado com o conceito desenvolvido neste álbum. E se este olhar minucioso ao passado procura algum propósito ou resolução, sabe que o faz inconsequentemente, uma vez que, como o próprio canta “I will not stop singing this song / it goes on forever”. E a verdade é que o álbum acaba de forma inesperada (talvez), como se tivesse sido interrompido e houvesse ainda muito para dizer.
Microphones in 2020 proporciona-nos uma viagem autobiográfica muito interessante, naturalmente afetada pelo tempo e pela evolução do indivíduo, que remete para o passado do jovem que foi e da pessoa que é “ I remember my life as if it’s just some dreams that I don’t trust”. Uma proximidade informal e honesta, num registo quase falado, sobre um texto perdido em si mesmo, com uma produção quase perfeita, merecedora de mais e melhor a nível de instrumentalização. Phil Elverum trabalhou um conceito incrível e ambicioso. Mas podia ter feito melhor.
Artista: The Microphones
Álbum: Microphones in 2020
Editora: P.W. Elverum and Sun
Data de lançamento: 7 de agosto de 2020