IDLES, banda de punk rock britânica, lançaram Ultra Mono na passada sexta-feira. A banda caracteriza-se pelos comentários e críticas sociais expressos na lírica dos temas e este LP não foge à norma. É uma exploração de temas como o clima sociopolítico moderno, luta de classes, saúde mental e toxicidade masculina
Ultra Mono inicia – ou posto numa melhor expressão, “arrebenta” – com “War”, uma faixa explosiva, repleta de raiva e ardor. Pelo título deduzimos logo o tema retratado, a guerra, e Joe Talbot, vocalista, consegue surpreender com a performance repleta de paixão e a narrativa pungente.
O apelo à revolta continua na faixa seguinte, “Grounds”, um dos singles lançados este verão. Aqui Talbot fala-nos (grita-nos) a sua posição perante o passado devastador do imperialismo inglês e a forma como os efeitos perduram.
Em termos sonoros, o grupo britânico distancia-se um pouco do som que tanto os carateriza com o acrescento de synths que adicionam ainda mais garra à fera que é esta faixa. A produção moderna e habilidosa e a participação de Kenny Beats aumentam o sentimento propulsivo e poderio rítmico.
“Mr. Motivator” surge como mais uma faixa de união contra as forças de opressão, mas também de oposição a críticas que a banda sofreu em projetos anteriores. O tema é um grito para que o ouvinte seja melhor pessoa através do amor próprio e uma demonstração em como desde a união conseguimos derrubar gigantes.
Em “Anxiety” temos um dos momentos mais caóticos do álbum. Numa narrativa descritiva do estado social das classes mais baixas e de como o governo despreza os pobres, retrata-se a ansiedade sentida por todos face às injustiças.
A musicalidade e a lírica jogam a favor deste sentimento que se intensifica ao longo da faixa como se fosse um balão que se enche até arrebentar . À medida que a faixa progride, o som fica cada vez mais caótico e claustrofóbico, acabando numa repetição agressiva de “Anxiety”, de tirar o ar dos pulmões.
Com a sensitividade política bem estabelecida da banda de Bristol, a outra metade de IDLES baseia-se no compromisso da positividade e união. “Kill Them With Kindess” é mais uma declaração a este propósito.
Abrindo com uma bela melodia de piano, da cortesia de Jamie Cullum, o ouvinte fica a estranhar, pois é de longe o modus operandi sonoro de IDLES. Contudo, numa reviravolta a melodia é interrompida por uma combinação de bateria e de um riff simples, mas potente e contagioso.
Em “Model Village”, é descrito uma vila fictícia que, normalmente, serve de atração turística com a recriação de uma vila numa escala mais pequena, mas que serve também como um exemplo a seguir. Com esta definição estabelecida, Talbot transfigura essa noção em algo mórbido: uma vila que aparenta ser perfeita, mas que está embutida de escória e de vários problemas sociais.
Por exemplo, a presença de vários furtos na aldeia, o brain-washing que existe na propaganda dos tabloids e como existe uma “raça modelo”. Em adição, a presença de ideologias de extrema direita e do “nacionalismo cego” na aldeia são alvos de crítica. São descritas como um perigo que se alastra em pessoas desinformadas e ignorantes que simplesmente aceitam estas narrativas racistas.
A segunda metade de Ultra Mono abre com “Ne Touche Pas Moi”. Nesta faixa, o tema é ancorado no consentimento, na sexualização dos corpos de mulheres e no assédio sexual que estas sofrem diariamente. Com isto, Talbot deixa um aviso: uma caçadeira para os vaiadores, uma pistola para os assobiadores.
É, provavelmente, um dos temas mais simplistas do projeto e, talvez, da carreira de IDLES. Apesar da boa mensagem, a música em si não me tocou tanto como as restantes. O próprio refrão, algo que os IDLES costumam acertar em cheio, não atinge os padrões pelos quais a banda é conhecida.
Percebemos que é um álbum forte em mensagens. Com “Carcinogenic” temos os temas de desigualdade de salários e de corrupção política, que são considerados um cancro que nunca para de crescer em qualquer sociedade que deixa estas injustiças persistirem.
O imperialismo britânico é novamente trazido à guilhotina em “Reigns”, desta vez mais direcionado à família real – “How does it feel to have blue blood coursing / through your veins?”. Nesta passagem audivelmente mais industrial, são confrontados com o que é estar na posição de privilegiados e como é que se sentem quando abusam desse poder
Na antepenúltima faixa, “The Lover”, IDLES aproveita para responder aos seus críticos retratam a banda como nada mais que uma banda de slogans e clichês. Joe Talbot responde na mesma moeda com os versos “You say you don’t like our clichés / Our sloganeering and our catch frases / I say love is like a freeway and/ Fuck you, I’m a lover.”.Ultra Mono está repleto de músicas que se entranham no nosso sistema e que nos impulsionam para os moshpits a gritar os tais “desprezáveis” slogans e refrões e esta é um bom exemplo.
“Hymn” é a grande surpresa deste álbum. Uma balada, de certa forma, à la IDLES. A canção é um hino existencialista, um nevoeiro cinzento de insegurança, arrependimento e melancolia. Descreve a parte mais frágil da nossa mente, repleta de pó feito com as nossas dúvidas, onde nos sentimos dormentes e incapazes de limpar esse sítio.
Chegamos ao fim desta viagem emocional e raivosa com “Danke”, uma conclusão à história que foi sendo construída. Regressamos ao som intenso e catártico de IDLES, com aquele toque de industrial punk à mistura. Apesar desta aglomeração de sons e vocais gigantescos, a mensagem revolve à volta da temática do amor – “True love will find you in the end”. Esta faixa serve como um farol de positividade num mar adoecido com injustiças sistémicas e opressivas.
De um ponto de vista generalizado, nota-se logo que Ultra Mono não trouxe à mesa tantas músicas marcantes como nos outros dois álbuns. Contudo, IDLES são consistentes no estilo e na mensagem: amor próprio e dedo do meio para a opressão. O que sempre admirei na banda de Bristol é a capacidade que eles têm de captar a realidade atual de uma forma tão direta e visceral, enquanto conseguem criar músicas que nos movem e nos atiram para os moshpits.
Sempre na ofensiva, ensanguentados, mas não rebaixados, IDLES são uma máquina claustrofóbica, implacável e esmagadora sempre em movimento. Ultra Mono, apesar de não ser tão cativante, é um testamento para a arte e o talento que se revela no meio de uma demonstração irrestrita de inquietação e de desprezo. As letras simples, os ritmos contagiantes e a onda de positividade dão a sensação de que (desde que estejas tão despedaçado, furioso e à procura de amor quanto à banda está) te vais conectar à música.
Álbum: Ultra Mono
Artista: IDLES
Editora: Partisan Records
Data de lançamento: 25 de setembro 2020