Evaya é uma artista portuguesa que é, simultaneamente, produtora, compositora e cantora. No EP de estreia, conjura uma jornada íntima por onde flutua de mãos dadas connosco e nos revela a mais pura Intenção: ser.

Para entrar com o pé direito nesta selva sónica, contamos com a produção de gadutra em “༼ĭ̈n̆̈t̆̈r̆̈ŏ̈༽”. A viagem começa com os primeiros cânticos etéreos que ecoam por todo o álbum, marcadores simbólicos do tom que abraça toda a experiência. Depois, somos rodeados por várias camadas de vaivéns eletrónicos que, com ritmos inconstantes e hipnóticos, nos submergem na aura musical do que está para vir.

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A primeira faixa assemelha-se a um banho cerimonial, parte do autêntico ritual místico que é ouvir Intenção. “Dreams”, por sua vez, faz a ponte para o delicioso prato principal deste álbum: a poderosa capacidade lírica do canto de Evaya. Em três potentes quadras que abordam sonhos lúcidos, a cantora evoca os vapores escaldantes da imaginação como catalisadores sóbrios e furiosos de vislumbres visionários.

O cantar empoderado faz-se acompanhar de um ambiente eletrónico gradualmente mais intenso e de cordas moduladas que ecoam pela paisagem sónica. No final, ruídos tropicais marcam presença, mantendo a selva sónica o mais vívida e brilhante possível dentro da cabeça de quem a escuta.

Rítmico e misterioso, “how to dance what is true” é um cântico sussurrante e esperançoso. Aborda temáticas como a dos anjos e a do fôlego do nascimento, conseguindo também replicá-las na produção. Esta dança da verdade climatiza e abre a alma para uma experiência verdadeiramente íntima e emocional. O embalo faz-se ao som do lento desbotar da harmónica modulada que antecipa o final da faixa.

Que “doce linguagem” esta, a das camadas de sons e ritmos vibrantes em harmoniosa e gradual sobreposição. A dos ecos líricos que cantam a paz, a incerteza e o girar da terra numa língua portuguesa que parece vir de outro mundo. A das lágrimas e do sorriso rasgado que assaltam a face de quem mais sensível está ao carinho e, lá está, à doçura inerente desta linguagem que é a música.

Para dar colo à muita gente que, como eu, se sente já bebé, aconchegada e prestes a entrar num maravilhoso sonho lúcido, nasce “a fonte”. E dá-nos a beber uma fusão curiosa entre canção de embalar e ASMR lírico e sónico. É uma ode taoista que fala duma espécie de Graal da magia que nos encarna enquanto fluxo contínuo entre vidas e mundos.

A última faixa, “ .. -. – . -. -.-.. .–.- —, homónima do álbum traduzida para código morse, eleva a experiência através de flutuações e oscilações sónicas abstratas mas melódicas. Mais uma vez, Evaya consegue transmitir os conceitos artísticos que lhe são característicos através duma produção fluente e cuidada.

Ouvir Intenção do início ao fim, de preferência confortável e horizontal, é como escutar num búzio eletrónico muito especial. O canto de sereia guia a experiência, e as ondas sonoras acompanham-na em perfeita simbiose, num coro orquestral que a tecnologia sonora moderna permite e que EVAYA concretiza com excelência.