Os 7 de Chicago estreou na Netflix, no dia 16 de outubro. O novo filme de Aaron Sorkin aborda o julgamento histórico de várias personalidades envolvidas nos protestos anti-guerra de Chicago, em 1968.

A obra cinematográfica vem cimentar a posição de Sorkin enquanto diretor e argumentista, com um estilo próprio facilmente considerado “semi-documental”. Isto porque, à semelhança do que acontece em The Newsroom, o cineasta mostra-se sempre pronto para misturar os frutos duma extensa pesquisa histórica com elaborados trechos de drama e ficção. Tudo para conseguir um equilíbrio mágico entre objetividade e subjetividade.

Para ajudar a ilustrar este conceito temos a técnica usada logo na introdução. Esta mistura gravações da época (Discurso de Lyndon B. Johnson, sorteio dos parâmetros para recrutamento obrigatório na televisão nacional, o assassinato de Martin Luther King e de John F. Kennedy) com planos minuciosamente reconstruídos para retratar a época mas gravados na atualidade.

No primeiro momento do filme, assiste-se à nomeação dos procuradores federais para um julgamento de oito pessoas. A acusação consiste em conspirar motins, e incitar à violência das multidões que protestaram numa convenção democrática que começou num estado policial.

Segue-se a apresentação de mais algumas das personagens, como Abbie Hoffman e Jerry Rubin ou ainda a dupla de advogado e litigador formada por William Kunstler e Leonard Weinglass, dois dos sete constituintes históricos da defesa dos arguidos. Fora do tribunal, uma multidão altamente polarizada espera o início do julgamento com cartazes que vão desde o clássico “Fim à guerra!” à controversa indagação “onde estão os direitos civis brancos???”, passando por referências cómicas ao símbolo hippie enquanto “pegada da galinha americana”, acentuando assim o teor divisivo e controverso do julgamento na esfera pública.

A presença de elementos da luta pelo fim da discriminação racial, bem como o retrato do sucessivo desrespeito pelo direito a representação legal de Bobby Seale, único arguido negro, conseguem apresentar temáticas muito debatidas na atualidade através duma perspetiva histórica. Mas esta categoria, embora bom exemplo do hábito que Sorkin tem de abordar o Zeitgeist nas suas obras, está longe de ser o foco do filme.

É, de resto, discutível se existe verdadeiramente um foco em Os 7 de Chicago. A dispersão pode, por vezes, confundir ou contribuir para uma menor coesão cinematográfica. Porém, o maior (e talvez mais benéfico) efeito secundário que traz ao filme é o sentimento de diversidade temática e pluralidade de perspetivas que reina sob grande parte do trabalho deste realizador. A atenção a detalhes toma também um crescendo de importância no desenrolar do enredo, com destaque para a lista de 5 mil soldados americanos que morreram na duração de quase meio ano do julgamento.

A banda sonora tem poucas, mas adequadas aparições, constituída por vibrações do rock psicadélico da época com variações industrialescas, feito para servir de plano de fundo ao confronto policial. A fanfarra progressivamente mais estridente que acompanha imagens de assassinatos e notícias sobre destacamentos militares, no início do filme, emerge o espectador num sentimento tragicómico que prevalece até ao final da longa-metragem. Isto é visível, nas ocorrências hilariantes que precedem uma quantidade de acusações de desrespeito ao tribunal que seria igualmente hilariante, não fossem as suas consequências tão nefastas e reais.

A correção cromática tem vestígios elegantes das cores vibrantes dos sixties, e o guarda-roupa também está adequado ao tipo de produção que se pretende. Nota-se, contudo, que o verdadeiro ponto forte da obra cinematográfica é a sua capacidade de expor várias das problemáticas, dramas e conflitos, que as personagens enfrentam, numa sobreposição bem conseguida entre perspetivas individuais e a situação histórica como um todo.

As divergências políticas, metodológicas e pessoais dos oito arguidos de Os 7 de Chicago vão-se tornando mais e mais evidentes, e trazem nas suas diversas caracterizações bastantes traços que evidenciam uma pesquisa aprofundada acerca do percurso de cada um. A escassez de momentos verdadeiramente violentos e a forma agoniante como são capturados vêm dar poder emocional à longa-metragem. No entanto, o filme já se aguentava de pé pelo valor do debate legal, intelectual e, acima de tudo, ético que carrega às costas, legado de valores de um cinema cada vez mais próximo da extinção: aquele que nos faz pensar.