Sempre o Diabo estreou em setembro e traz, para o cinema, a adaptação do livro de Donald Ray Pollock. O filme de Antonio Campos é um drama ambicioso e extenso, carregado de superficialidade e com demasiadas personagens para o conseguirmos acompanhar. Assim, é tentador dizer que teria funcionado melhor como uma série.

A longa-metragem começa com um tom familiar dos filmes Westerns por causa da narração em voz-off do próprio autor do livro. Este apresenta aquela cadência sem pressa e meio orgulhosa das histórias que nos estão a tentar enrolar. Com um sotaque carregado de Ohio, o narrador aponta no mapa as cidades de Knockemstiff, em Ohio, e Coal Creek, na Virgínia. É aqui que se passa a história de várias gerações afetadas pela violência, assassinatos e tragédias.

A primeira história que conhecemos é a de Willard Russell (Bill Skarsgård), que retorna para casa em Knockemstiff, Ohio, após a Segunda Guerra Mundial, carregando o peso do stress pós-traumático. Descobrimos que o seu trauma particular se funde com a fé, graças a um momento trágico. Durante a guerra, Russell encontrou um homem, ainda vivo, crucificado numa cruz. Este homem acabou morto por um membro da sua equipa, com um tiro. A lembrança constante deste episódio surge quando Willard olha para a cruz que se encontra na floresta, ao lado de sua casa. Perante tal memória, consegue sentir vivamente o horror presente nessa imagem de fé.

O filho de Willard é Arvin (Michael Banks Repeta), e a primeira parte do filme passa-se quando o rapaz tem nove anos. A mãe de Arvin, Charlotte (Haley Bennett), fica doente e os temas da linha entre a vida e a morte e os rituais de fé entram na narrativa de forma ainda mais distinta. Willard ensina Arvin a responder à violência com violência e até mesmo a acreditar que o sacrifício pode ser a resposta.

Claramente, isso é muita história para um filme inteiro, mas é apenas uma fração dos 140 minutos de Sempre o Diabo. A partir destas cenas iniciais promissoras, o roteiro de Campos transforma-se em várias outras narrativas de pessoas ligadas à família Russell, incluindo um pastor abusador e um casal de serial killers.

Enquanto a obra cinematográfica se desenrola, tentando atribuir um peso a incidentes encenados friamente, repara-se que todo esse esforço depositado na procura de autenticidade resultou quase no oposto. A adaptação do livro, a narração de Pollock, a suposta fidelidade da ambientação e dos sotaques e o registo cuidadoso da violência, ficaram aquém do esperado.

A habilidade de Campos, juntamente com a sua vontade de explorar dramaticamente os aspetos mais sombrios da condição humana, foi recompensadora. No entanto, não foi o suficiente porque não funciona bem o tempo todo.

Contudo, as performances do elenco opõem-se a este mau funcionamento. Não há um momento em que o espectador não percebe o que estão a tentar passar para lá do ecrã. Cada ator caprichou na expressividade e o guarda-roupa ajudou perfeitamente na caracterização das personagens.

No fim, o que se tira do filme é que, realmente, cada cena parece carregada de importância temática ou narrativa. Há, sem dúvida, um esforço em curso de transformar uma sucessão de violências gratuitas num relato cheio de gravidade. Mas talvez seja aquele caso clássico de quando a pessoa se esforça um pouco demais. Aqui, o ideal seria que o filme respirasse, capturasse a vida, em vez de avançar no meio de tantas mortes.