Conhecidos nos anos 80 por causar o caos e o alarido, os Bon Jovi regressaram este ano com um novo álbum. 2020 é marcado especialmente pela crítica aos problemas mais evidentes da sociedade- o racismo, a pandemia, os tiroteios e as manifestações nos EUA. É o regresso ao rock que distinguia a banda no passado.

“2020” não é só um álbum, mas O álbum. As dez faixas, que poderiam ter sido 12 não fosse o atraso no lançamento, relembram os fãs da sonoridade e a essência de uma das bandas de rock mais bem-sucedidas da história. Acompanhados da coragem de Jon Bon Jovi  em relatar sem filtros, porém com uma certa imparcialidade, são expostos os problemas de uma América em era Trump.

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Limitless” é a faixa de abertura do álbum e não podia ter sido melhor escolhida. Tico Torres (baterista) mostra que continua com um domínio explosivo da bateria, acompanhado com a guitarra. Afirmando que “life is limitless”, não é possível deixar de reparar na contradição do nome da música com os tempos que se vivem. Contudo, a música desafia a viver a vida ao máximo, e a “wake up”, podendo de alguma forma considerar-se como um aviso. Ao longo da música, o sentimento que vai surgindo é de conforto e de identificação. É uma música Bon Jovi.

O segundo tema, “Do what you can”, refere-se diretamente à pandemia que estamos a viver. Surgiu de uma fotografia partilhada pela mulher do cantor em que Jon contribuiu com a descrição dizendo, e traduzindo, “quando não consegues fazer o que fazes, faz o que podes.” Apesar de se afastar do registo roqueiro da banda com a aproximação ao pop e ao country, é impossível negar que fica no ouvido e que acaba por servir de consolação na fase que todos atravessamos

American Reckoning” é, talvez, a faixa mais pesada e sentimental de todo o álbum. Foi motivo de discussão entre os membros da banda, por explicitar a situação vivida com George Floyd e todos os protestos que daí surgiram, denunciando uma América racista. Contudo, a voz de Jon Bon Jovi e a profundidade da letra fazem com que seja uma música difícil de ouvir, no sentido mais emotivo. Apesar do alarido que a música provocou, Jon decidiu que teria de fazer parte do álbum, não fossem eles uma banda habituada ao caos e aos spotlights.

Segue-se “Beautiful Drug”, uma faixa tipicamente Bon Jovi. A sonoridade nos primeiros nove segundos faz lembrar a faixa do álbum anterior, “This House is Not For Sale”. Parece, até, um convite para pegar numa cerveja e dançar pela sala, talvez por essa razão tenha sido escolhida para seguimento da “American Reckoning”.

Os Bon Jovi também são bastante conhecidos pelas baladas e “Story of love” é um bom exemplo disso. Comparando com a inesquecível “Always”, a faixa faz pensar que o rapaz apaixonado dos anos 80 casou, teve filhos, e agora dedica-lhes esta música. Sem dúvida uma dedicatória para todos os pais e filhos, mas uma má escolha para este álbum de “revolta”.

Let it Rain” é uma música muito estilo “jersey rock anthem”, fazendo mesmo lembrar o lendário Bruce Springsteen. Apesar da mensagem também ser de denúncia das discrepâncias sociais, a energia que a melodia transmite acaba por permitir “desligar” e aproveitar o momento musical.

Lower the flag”: arrepios. Uma música muito mais em estilo acústico, com um Jon introspetivo, relembrando uma marcha funerária (que de certo modo o é). A referência aos ataques terroristas, a todos os tiroteios acontecidos na América e às cidades que sofreram com esses ataques faz com que seja preciso uma caixa de lenços ao lado, mesmo para os mais “insensíveis”.

Blood in the water” é mais uma balada no vasto reportório da banda. Um sentimento de tristeza e nostalgia é despoletado ao ouvir esta música, fazendo mesmo lembrar um tempo de “depressão” juvenil, o primeiro coração partido, ou para os mais velhos, um divórcio. Apesar disso, o início da guitarra é algo, no mínimo, angelical, complementado pelo arrepiante solo de Phil X aos três minutos e 33 segundos.

Longe de ser um hit, principalmente pelo exagero de “na na nas”, “Brothers in Arms” remete-nos imediatamente para os anos 80.  Conduzir a alta velocidade, com o rádio nas alturas, vidros abertos e um/a bad boy/girl ao nosso lado- nada descreve melhor a sensação de euforia que a faixa transmite. Um ótimo contraste com a faixa anterior.

Unbroken” é a melhor música de todo o álbum. O culminar perfeito para o propósito deste 15.º lançamento dos Bon Jovi. Para ouvir de olhos fechados e com atenção. Somos levados, logo nos primeiros segundos, a uma arena vazia, apenas com a banda pronta a tocar. O tema tem o objetivo de honrar os veteranos de guerra americanos com transtorno de stress pós-traumático, tornando-a ainda mais especial. Com alguns segundos a ouvir apenas a voz de Jon Bon Jovi, contrastados com outros de instrumental, é praticamente impossível não se sentir comovido.

Para quem ouviu This House Is Not For Sale, apenas me permito dizer que considero esse o álbum de deslize- certamente compensado com 2020. Apesar da semelhança entre algumas faixas com o anterior, principalmente a nível de melodia, o novo disco destaca-se pela história que encerra. Acaba por ser um certo documentário ao que se anda a passar no mundo e, de alguma forma, um marco histórico que poderá mesmo ser usado como material de estudo no futuro. Sem dúvida um ótimo regresso desta banda americana.