“O novo vírus da China”, ouvia-se nas notícias, na rua e mesmo nos cafés. O tema era a Covid-19. No início, quando a preocupação ainda mal chegava a Portugal, culpámos a China de ter difundido o vírus para o resto do mundo. Lembro-me até de ouvir comentários de que nem se devia entrar na loja dos chineses. Foi o caos instalado, o preconceito tinha começado.
2 de março de 2020. O dia em que surgiram, em Portugal, os dois primeiros casos de Covid-19. Começamos então a generalizar a pandemia aos que chegavam a Portugal. Como o Governo “não fechou as fronteiras mais cedo”, “os estudantes de Erasmus trouxeram o vírus dos outros países”, assim como “aqueles turistas que vieram para o algarve” ou até mesmo os emigrantes que regressaram a casa.
No dia 8 de março, as notícias falavam da Universidade do Minho. O curso de História teve o primeiro caso positivo e o conflito instalou-se. De repente, já não falávamos da China nem dos emigrantes. O problema eram agora os estudantes que continuavam a juntar-se em festas. Mas a verdade é que nesta altura ainda não estávamos consciencializados da gravidade da situação. Ninguém tinha ainda a noção de que esta transmissão “em corrente” era possível. No entanto, toda a gente foi muito rápida a apontar o dedo.
Não posso deixar de referir que chegamos ao ponto de culpar os profissionais de saúde por voltarem a casa depois do tempo em que estiveram a cuidar dos doentes de Covid-19. Houve vários vizinhos que escrutinaram e maltrataram enfermeiros e exigiram que estes saíssem de casa. Tenho a certeza de que as horas e os dias de trabalho já os tinham deixado desgastados, cansados e desmotivados, mas chegar a casa e terem sido tratados de uma forma desumana não melhorou a situação. Na altura em que fomos para as varandas bater palmas aos profissionais de saúde, ainda pensei que os respeitávamos pelo papel que têm na sociedade. Mas tenho medo de me ter enganado.
Mais recentemente, a culpa é nossa, “dos jovens, porque não respeitam as medidas”. É certo que houve ajuntamentos e festas que não deveriam ter acontecido, mas porquê generalizar? Eu, com 19 anos, sei que não participei em nada que fosse contra as regras da DGS e sempre tive cuidado. Porém, não há como evitar ouvir comentários ou receber olhares de lado por parte das pessoas mais velhas. Vou ser redundante, mas a verdade é que ninguém teve, mais uma vez, complicações em acusar os outros.
Mesmo assim, a culpabilização existe e sabemos que vai continuar a existir. Temos a necessidade de arranjar uma explicação para estes casos. Não nos basta saber que o vírus é invisível e que há redes de infeção não intencionadas por parte de pessoas que não sabiam que estavam infetadas. Devíamos começar a considerar o quanto isto afeta a outra pessoa, humana, que por si só já não se deve sentir bem.
Se pensarmos conscientemente, somos todos culpados. É por isso que é fácil desconfiar de toda a gente. Contudo, se todos se protegerem e, dessa forma, protegerem os outros, tudo se torna mais fácil. Não erradica o vírus, mas facilita a presença na sociedade e na interação que temos uns com os outros. A pandemia tornou-nos mais frios e afastados, mas não nos esqueçamos que ainda somos humanos.